terça-feira, 9 de outubro de 2012

Premonição


Há um silêncio que nos espreita devagar, mas inexoravelmente.
Um terrível silêncio que nos causa angustia e nos tortura.
Que solidão absoluta nos espera?  
Quando essa  garganta escura e fétida nos engolirá para sempre? 
E para que confins do mundo será arrastada
a nossa alma atormentada e atônita?

Caminhamos para esse fim, assustados e mudos.
No final, isso, que será a ausência de tudo,
fará com que pareça que nunca estivemos aqui.

Nunca mais o frescor de  manhãs perfumadas e úmidas.
E a sombra das árvores projetadas na suave e macia relva.
E a doce melancolia dos entardeceres e o mar, o infinito mar
das minhas lembranças... 

Eu quero levar comigo o impossível.

Preciso guardar, dentro, profundamente, no fundo da alma, o barulho 
das chuvas nos telhados  e a clara e morna luz de certas tardes.

E tenho que levar a tua voz. A tua incrível, doce e perturbadora voz.
E os teus braços... E as tuas mãos...

Como existir, mesmo dissolvida e invisível como o éter, 
sem o teu misterioso e denso e estranho olhar.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Pesar


Os dias escorrem
na roda do tempo
essa grande e maluca invenção 

em mim 
só guardo o essencial

o olhar que me deitas
em cada momento

o que sobra
deixo que leve embora 
o vento

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Poema azul


Fiz um poema azul
inventei lua cheia
e luar

Acendi estrelas no céu
pintei barcos
no mar

Desenhei flores
e nuvens 
com giz

Fiz um poema feliz


segunda-feira, 18 de junho de 2012

História de solidão


Ela queria falar mas a voz saia com dificuldade.  
E quando tentava escrever, as letrinhas ansiosas caiam 
como bolinhas de vidro e se quebravam no chão.  
Então, no peito, o sentimento foi crescendo e apertando o coração. 
E numa noite em que o silêncio preenchia todos os espaços, 
a emoção transbordou e jorrou como uma cachoeira. Inundou tudo. 
Todas as coisas à sua volta ficaram submersas. 
Foi quando os pensamentosuma imensidão deles,  
tristemente se afogaram.

Desde esse momento, ficou muda para sempre.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Perseguição

O Grito de Edvard Munch
Palavras soltas
             num eco
fantasmas que me atormentam
crepúsculos sombrios
         uma canção 
arrepios
lugares
deslumbramentos 
             tardios
e muita  tristeza
              no vento

Isso é tudo
que  aflige a alma

Vontade de pular
o tempo
 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

vertigem


Você me olha aflito
tento adivinhar
se é amor ou espanto

ou desencanto

há muito tempo nos queremos
buscamos um ao outro
em cada canto

e no entanto
ainda nos surpreendemos


segunda-feira, 9 de abril de 2012

A vida


 
Escondo segredos
no coração
mas na palma da mão
os sonhos se mostram
indefesos
e a vida salta
seguindo trilhas
desconhecidas

é quase um salto no escuro
e a alma nesse instante
confusa
me mostra todos
os caminhos percorridos

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Canção sem pudor

Marc Chagall

Você me acorda
com seus braços
e a vida se ilumina
se abre pra mim!

E no quarto
imenso e claro
astros dançam
um bailado de luz!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

No deserto


Fiquei muda
de repente

Tudo caiu
no vazio oco
e sem razão

Enterrei o significado
da vida
no seco
e árido
e triste chão
do desencanto

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Canção das tuas mãos

                                                           Fotografia de Jac Rizzo
                               
Acordei com olhos
de saudade
com a  lembrança
das tuas mãos
fortes e doces
alvoroçando 
minha alma

Vi em tudo 
a luz brilhando na folhagem
e o perfume no ar
muito claro e sensual

Acordei com os olhos cheios de você

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Lembrança de luas e ventos


Vivo o instante
sempre
E preciso
nas sobras das horas
me embebedar de emoção

Porque tudo foge depressa
acaba

E na mão
os restos escorrem
e se perdem no chão duro e seco
da realidade

Nada retenho

Mas vislumbro ainda
por sobre o muro da  solidão interior
que alguma coisa fica

Pequenos e frágeis fragmentos
que inundam de luz o porão escuro 
das recordações

A doçura de um olhar que iluminou
por um momento a minha vida
e a delicadeza de um gesto de ternura imensa

Lembranças simples e belas
como a suavidade de uma folha que lentamente
caiu num final de tarde

Como o  cheiro da terra encharcada de chuva
numa manhã de dezembro
e um tempo fugaz em que eu acreditava nas certezas
porque o antigo fervor não volta

E sobretudo
a pedra preciosa de palavras amigas

Coisas que guardo como o único tesouro que colhi 
nesta viagem à procura de coisa alguma.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Eterna canção



 A vida é sonora
porque  ri e chora
e  está sempre cantando
à minha volta

E tem cor
porque o vermelho dela
tinge a minha alma

E por fim
ela  se move
porque foge de mim
a cada instante

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sobrevivência


quase desisto
algumas vezes

as bocas que falam
e não ouço
os olhos que me espreitam
disfarçados
os passos que dou
de rumo incerto
o mistério das coisas
que se esconde

que eterno martírio será esse

o meu desejo
 inerte e desgastado
e minha vontade
inútil

tudo me cansa
e me desgosta

o tédio das ondas
batendo na areia
o brilho das luzes
se abrindo na noite
 até a beleza
me enfada e me fatiga

tudo parece desnecessário

não sei onde encontrar refúgio
onde esconder a alma
assustada e atônita

preciso ser invisível
pra sobreviver


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Em vão



Meus planos
ficam suspensos
no ar

Eles não deitam
no chão

Não os deixo
brotar

São sonhos
só sonhos
em vão

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Ao vento


Não leve ao 'pé da letra' o que o poeta escreve
Nem ouça o que ao vento ele espalha
O poeta é volúvel
Não se espante
São palavras
Só palavras
E ele as joga por aí sem pudor
Ele as deita em qualquer esquina

Que os poetas 
Não se pode prendê-los
São meninos
São meninas

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Expectadora




  Esse lado mais obscuro de mim
mais escondido
é o lado que mais eu sou

 Pedaço que pensa calado
que distraído observa o mundo
vazio de dor ou alegria

Pedaço de mim ateu
                                                                           

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Inatingível


Andar ao lado da ausência
e não ser
Cantar a música
                                  do nada
Dançar sobre o oco
                                   da vida

Talvez eu até nem durma

E acorde esquecida

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Passageira


Tudo, às vezes, me estranha

Estranho tudo, às vezes

Espanto e surpresa
 me acompanham

Ser estrangeira é minha sina


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sensação antiga



 Lá fora o inverno
anda a arrastar os sonhos

Com um vento gelado
derruba tudo
alma e folha


Deixa cinza e mar revolto




terça-feira, 7 de junho de 2011

Nas asas do amor


O tecido da minha vida, fio por fio, foi composto de forma ordenada. Mas as lembranças são feitas de pedaços amorfos, tão movediços como a areia das dunas. Como contar uma vida? Como explicá-la? Precisaria  quebrá-la, fragmentá-la  e, mesmo assim, nada teria de mim. Nem um pedaço sequer. O que somos é tão profundo e tão complexo, que ninguém, nem mesmo nós, ousamos chegar perto.  A única coisa que nos aproxima desse mistério, nos consola, nos suaviza, nos reconcilia com o passado, é o amorSó ele nos devolve a fé e a confiança. Temos tudo embaixo das  asas acolhedoras dele. Nos sentimos protegidos das amarguras e desencantos.  E se ele é grande e forte, torna claro e luminoso o que era  ambíguo e obscuro.  Reinventamos, então,  nossas lembrançasNos inventamos. Podemos, enfim, nos contar.