domingo, 21 de fevereiro de 2010

Nascem meninos

Imagem da web (autor desconhecido)

Para um menino 
chamado Henrique, que mora 
no meu coração!

O nosso querido Rubem Braga  disse, numa crônica, que o poeta Drummond fez um poema para os meninos que nascem. Um poema seco e triste. Mas Drummond era assim,  oitenta por cento de ferro na alma, lembram...Itabira...

Pois, diz  o cronista, o poeta contempla com inquietação e melancolia os meninos do futuro. Sente que neste  mundo estranho  as vozes podem perder o sentido ao cabo de uma geração. Pensa nessas pequeninas e vagas criaturas sonolentas, que  não enxergam, não ouvem, não sabem ainda nada do mundo, e quase apenas dormem, cansados do longo trabalho de nascer.  Um texto lindo, que toca o coração da gente.

E diz  ainda,  nosso cronista maior,  que nós todos tentaremos lhes  apontar um caminho. Eles aprenderão que o céu é azul e as árvores são verdes, que o fogo queima, a água afoga, o automóvel  mata, e  que é preciso andar limpo e responder as cartas. Temos  um baú imenso, cheio de noções sobre tudo.

Eu acrescentaria, queridos Drummond e Braga, que é preciso olhar com cuidado  para  a  longa  estrada.. Que há perigos que se escondem, discretamente,  nas  dobras do tempo.  Diria que o amor pode ser doce, mas também pode ferir fatalmente um coração desavisado. Que escondemos mistérios no fundo do nosso ser.  E  há muitas armadilhas espalhadas ao longo da vida .

Mas, por ora, como nascem ainda meninos, lindos e cheios de crença, nós devemos com  carinho  extremo e  devagar, acolhê-los  com afeto e compaixão. E tentar não lhes passar o peso de toda nossa angústia e longa miséria.

Que esses meninos venham com o coração aberto e  cheio de ternura.  Ah, não lhes tiremos a ternura!  Deixemos que o tempo a desgaste. Que tragam algo novo, como melhores  razões para se viver. Que esses meninos surjam como as manhãs claras e azuis. Como a brisa fresca que chega do mar.  Como o amor que  renasce sempre...suave e esperançoso de existir  eternamente.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Pensando em tardes azuis

 Tela de Wieland-Gary
Nas noites em que não durmo, fico ouvindo o silêncio, pondo  lembranças no colo,  amores acariciando.

Se o sono é escasso, noites e eu, choramos  juntas.  E o lamento  agudo e fundo, como uma faca, nos corta, nos fere no mesmo aço.

Abro janelas e portas, empurro o teto pro alto, que a tristeza cresce, precisa de muito espaço.

 A noite é escura e imensa
e num ritual quase macabro
ateamos fogo às vestes,
nos queimamos.

 Depois  morremos nus e ateus,
pensando em frias tardes azuis,
sem crença, sem luz, sem Deus.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O anjo torto

Tela de Vincent Van Gogh
Para um amigo querido, que não
consegue dissipar as brumas
da sua vida.

Ele queria se levantar, claro que queria.
Mas o peso de suas escolhas, lhe prendiam definitivamente ao chão.
E era um anjo. Um doce e terno anjo.
E sem asas e sem céu e sem poder voar,
não sabia mais o seu lugar.
Vagava na noite por bares sujos e estranhos.
Ao lado, às vezes, de gente que não o conhecia, não o compreendia.

Nos momentos de solidão e vazio insuportáveis, fingia felicidade, se arrastando ao lado de  companhias que, sequer por um segundo,  poderiam visitar seu mundo.
Mas ele voltava sempre para o seu quarto confuso, onde  coisas esquisitas e preciosas,  se amontoavam em  prateleiras.
Coisas que quando estendia a mão  para pegá-las, 
desapareciam no fundo buraco  negro da sua história.
Ali, de cabeça baixa, entre surpreso e abatido,
tentava resgatar a vida que passara.
Mas as lembranças iam e voltavam, desencontradas, 
desfocadas pelo tempo.

E era só um anjo que sonhava  sozinho.
Que se embriagava todos os dias de sua humanidade.
E assim, sem ombro pra encostar a alma cansada e triste,
chorava  os amores que não pudera segurar
e as coisas todas que quebrara.