quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Longa canção da espera

Não te encontrei
por onde  passei
e te busquei
sem descanso
noite e dia
todas as horas
do  viver

Ai, que vou morrer
sem te amar

Trago há muito
perfume de gerânios
nos cabelos
gestos macios
que voam
no vento
um doce sabor 
na boca
e o abraço 
e a pele suaves
pra te dar

Quero te encontrar
     assim
enquanto o perfume 
     e a cor viva
ainda tremula
     na flor

Não venhas
quando tudo
já estiver perdido
  
Se demoras
o vento da vida
arranca
as minhas folhas
me esvazia a alma
leva pra longe
os meus desejos

Chega agora
meu amor
que o beijo
anda fresco pela boca
e o abraço ainda
nos meus braços
se agasalha


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Calmaria



Nesse eterno renascer de manhãs novas e anoiteceres desconhecidos, nunca sei o que fazer. Tudo é inesperado. Estranho a mim, sempre,  mais do que ao outro. Porque de mim, só sei do gesto que foi ontem, da palavra que já se perdeu no canto da boca. Do olhar que amanheceu alegre e que a tarde deitou sombras.

No outro, reconheço e aceito esse existir misterioso e singular. Mas em mim, a alma se arrepia, se revolve e há aspereza no fundo do meu ser. Sou como um lago que parece  calmo de se olhar.

Sem vento forte, sou calmaria difícil de transpor. Um remanso onde as emoções  se espalham e se deixam ficar.
Um lago que parece calmo de se olhar.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O nada

Escrevo sobre  tudo que há no nada
        sobre a folha que rola na estrada
no vão da escada
        no vinho que sobra na taça
no relógio da rua que atrasa
        no cão sem dono na praça
na poça que há na calçada

Tudo que parece inútil
                      me abraça
é minha sina
          me enlaça



sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Liquefazendo-me

A água é que me invadia, entrava pelos meus olhos,  pelos poros,  me fazia líquida. Lavava a minha  casa, inundava  a minha vida. As paredes, aos poucos, se cobriam de mofo e tudo ia se deteriorando, saturado de umidade. O pensamento se diluia lentamente, pondo a alma confusa,  num emaranhado de musgos. Os fungos  se reproduziam em tudo, alimentados pelos minúsculos fragmentos decompostos pelo tempo.  E eu já era quase um líquen, um vegetal sobrevivendo, apenas. Nessa forma, conseguia viver nos lugares mais inóspitos, me agarrando em rochas e até em cascas de árvores. A decadência tomava conta do mundo, à minha volta. Era o desfazer-se total.  O bolor se instalando. A ruína iminente.


terça-feira, 20 de julho de 2010

Cicatriz

Tua presença era um punhal
      na minha tarde
a me ferir o corpo
         a me rasgar a alma

Que eu só sei gostar assim
      desesperada e nua
com as mãos no olhar
          a te afagar

sábado, 19 de junho de 2010

Reflexo

As conchas dormem
     na claridade das águas
trespassadas pelo sol

Numa dormência infinita
       guardam suspiros de mim
   no fundo delas

 Na areia do meu palco
        quase arena
também durmo e respiro
        meu último sonhar

                  Ainda há um fio de sono
                            que me sobra

            O que virá
      é sempre um mistério

Vaga que guarda na dobra
          quem sabe um despertar

terça-feira, 8 de junho de 2010

"Há folhas no meu coração"



 Somos nós que andamos ou é o tempo que caminha embaixo de nossos pés.  Não sei. Ele nos põe no corpo o pó  das horas consumidas. Sem dó. Caminhamos juntos, talvez. Mas não estreitamos nossos laços. O tempo não faz amigos.  Ele paira por aí eternamente  e rouba tudo de nós. Nos olha com desdém  e ri da nossa pequena vida atrapalhada. Sabe que vamos embora, desaparecer, e deixar um imenso vazio de arrependimentos  para trás. Coisas que ficaram inacabadas. Horas mal vividas. Dias desperdiçados. Anos mastigados vagamente, sem vontade.

Tudo já começa a me doer. Morro antes de morrer. De lenta morte prematura.

E seguimos assim, na vida. Vamos caminhando sem sentido, insanos nesse precário destino. Ele - o tempo - num total desprezo pelo nosso entardecer. E nós, tentando segurá-lo no vão de cada manhã. 



segunda-feira, 31 de maio de 2010

Transmudar


Eles se amavam com os olhos, com as mãos, com as palavras. Às vezes, nos gestos doces, o amor era como uma suave borboleta. Ia batendo as asas frágeis e delicadas, mal pousando aqui e ali. Amor terno e bom! Em outros dias, se enfurecia como o mar na tempestade. Batia na areia, forte e desafiador. Amor difícil e necessário! Havia outros dias, ainda, que feito um barco na calmaria, boiava num espelho espesso e cheio de sombras. Amor profundo e de contemplação! Em noites que a lua quase mergulhava  na água, dormiam abraçados, num silêncio imenso, sonhando com estrelas cadentes. Amor de paz!  E quando a chuva caia fininha no telhado, cantando uma canção estranha,  as almas trocavam de morada. Os corpos se amavam, mas as almas não sabiam mais a quem  pertenciam.
Elas se casavam na beira do mar. Voltavam com gosto de maresia, encharcadas de felicidade.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Monocromia

Na  paisagem
         o sol boiava pálido
    no vazio da tela

E era só uma manhã
         de quase inverno
     na  janela

Tudo era cinza
          água e céu
    na marina

sábado, 22 de maio de 2010

Um pedaço de estrela


Preciso vir aqui, às vezes, para despejar uma impressão. Registrar uma emoção que  um momento  qualquer despertou em mim. E isso não é a poesia. Não aquela que sai de mim, num instante, sem qualquer motivo ou razão, espontânea, e é nada. Uma faísca apenas, que se desprende da grande labareda que sou eu, dentro de mim. A poesia é como o vento, sopra em qualquer direção e para nada. Vem, vai, retorna.  É   tempestade  de vez em quando, ventania quase sempre,  vendaval ou brisa leve. 

O ator e agora cantor, Wagner Moura, foi iluminar o programa da Marília Gabriela e inundou de brilho, com o seu carisma, a minha tarde, neste sábado. Senti uma enorme necessidade de dizer alguma coisa dele. De falar nele e não 'de nada'.  De escrever sobre como ele é encantador.  E eu que tenho idéias esquisitas sobre muitas coisas, me deparei, de repente, com outras idéias que estão fora de padrão. E todas muito simples e singelas. 

Quando começo a pensar em Deus e como Ele seria, esbarro sempre em constatações do tipo 'não sei' e não devo ter nenhum sentimento de culpa em relação a isso. Lembro das palavras de Mencken, aquele irreverente jornalista americano, da metade do século passado, que quando era inquirido sobre a sua total falta de crença religiosa, dizia que podia falar mal Dele e acusá-lo de todo tipo de crueldades e injustiças, pois Ele o vinha tratando bem e com grande polidez, até. Mas que não podia esquecer o modo bárbaro com que tratava a maioria do resto da humanidade.

Wagner jogou uma pequena, mas vigorosa luz sobre tanta obscuridade. Ele disse, só e apenas, que tudo poderia ser diferente se entendêssemos que Deus somos nós. E eu acrescento que tudo pode partir de nós. A maldade ou a bondade, a dor ou o prazer, a luz ou a escuridão. Tudo. Os céus e os infernos somos nós. Essa felicidade que desejamos eterna, não existe. E depois, nenhum espetáculo, por melhor que seja, pode durar para sempre.  De minha parte, já demoli os altares todos, quebrei  estátuas, apaguei imagens e encerrei as discussões com Deus. Qual seja o sentido da vida humana é coisa que ignoro. Às vezes, suspeito que não haja nenhum.

Mas a outra que há em mim - pois somos vários - me faz lembrar que sou, nesse universo imensurável, um pedaço daquela estrela que brilha no alto, na imensidão do infinito. E minha alma se enche de emoção! Talvez seja a parte divina se revelando em mim...Talvez..


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Desordem de mim

            A poesia é isso
           - quando ela bate no peito -
                    descarrilamento da alma
              desassossego.

As palavras saem dos  trilhos sobre os quais deveriam  rodar. E assim, livres, elas não precisam de lógica  ou de bom senso. Correm soltas por campos abertos, desconhecendo destinos.  É assim, quando  a  palavra escolhe ser poesia. Se aventura por caminhos estranhos, muitas vezes  por despenhadeiros, por precipícios, numa corrida insana. Eu sempre a deixo sair, como os amores que teimo em deixar soltos,  feito cavalos selvagens. Deixo o sentimento se extraviar, desamparado, levado  tantas vezes por águas turbulentas, numa enxurrada de emoções. A poesia é assim...



sábado, 15 de maio de 2010

Constatação

Vamos juntos para o mar
            em silêncio
o vento é frio na tarde
      e deixa um vão
            de tristeza
      em nós

Vamos mudos
      caminhando devagar
pra não quebrar o encanto

 Nos olhamos
      com olhar torturado
de ilhas distantes e desertas

Sem espanto   
       tudo é silêncio de pedra
 na gente

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Milagre


Começo a gostar desse meu novo rosto, despovoado de tardes antigas. Sem marcas nem desgosto. Com a minha casa voltada para o sol, para o dia  que nasce. Vejo no longe do mar, um horizonte azul, cheio de promessas. No bolso vazio, carrego algumas mágicas que inventei pra não sentir saudade. Meus barcos espalhei todos,  no reflexo verde das águas. E assim, livre de sonhos e ilusões, reabro as portas e janelas do meu coração.
Vou gostar dessa ressurreição.

domingo, 2 de maio de 2010

Um gesto puro


"Cada um de nós tem, na memória da vida que vai sobrando, 
seu caminhão de lixo que só um dia despejará 
na escuridão da morte.  Grande parte do que vamos 
coletando pelas ruas tão desiguais da existência 
é apenas lixo; dentro dele é que levamos a jóia de 
uma palavra preciosa, o diamante de um gesto puro."
Rubem Braga

Ele me ligou, de manhã, apressado. Fiquei imaginando aonde iria ele com tal pressa. Um amigo quando aparece, depois de tanto tempo e de tão longe, deixa no ar  certa apreensão. Percebi que estava aflito e assustado. Então me disse, com a voz rouca, entre atônito e perdido, que iria morrer. Depois  do silêncio necessário, afirmei que nós todos vamos morrer.

A grande e inexorável verdade, é que ele sabia. Nós não sabemos. Cuidamos para que essa verdade fique distante de nós. É sempre algo que apenas suspeitamos. Mas isso também fica longe, afastado, envolto por uma cortina de fumaça, a nos enganar e distorcer a realidade. Somos, em nossa ingênua credulidade, eternos.

Meu amigo corria, essa manhã. Talvez, fosse ao encontro das brisas frescas do outono. Quem sabe, tivesse lhe assaltado, de repente, um desejo enorme de coisas simples e boas. Vontade de sentir cheiros e ouvir sons. Um impulso irresistível de pular, gritar, saltar, dançar e rir, gargalhar. Não. Nesse momento, a vida poderia ser qualquer coisa, menos razoável. Aliás, a razão era agora, algo que lhe causava grande enjôo. Às favas a razão. De que ela lhe servia nesse instante. Tudo o que queria era se libertar dos deveres todos. Seguir solto ao vento, sem destino. Mas já não haveria tempo. 

Uma tristeza imensa  tomou conta de mim. Tristeza pela vida. Tristeza pelo amigo, Tristeza por fazermos tão difícil o 'ser feliz'. Quero encontrar mais as pessoas queridas, beijar interminavelmente o meu amor e respirar o ar das manhãs de outono.


sexta-feira, 30 de abril de 2010

Contradição


 Dizer  sim
quando só posso 
      dizer não
qual fere menos
meu coração
dizer não
quando só posso 
     dizer sim

Isso é contra a razão
 

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sob o luar de abril


Pensamos que somos grandes porque não olhamos o mar.  Pelo menos não o olhamos verdadeiramente. O mar é imenso e faz um barulho eterno. Também não olhamos de verdade para o céu. Nunca pensamos na distância das estrelas, quando olhamos para elas. Ontem, a lua estava imensa, branca e redonda, pendurada na minha janela. Fiquei com receio que ela inventasse de entrar.  Mas nesse instante, pensei...por que ela entraria justamente na minha sala. Só porque nas noites em que ela me aparece inteira, toda feita de madrepérola, fico olhando o céu enfeitiçada...só por isso...

Mas tal qual uma Alice no país dos espantos, fui diminuindo, diminuindo até ficar do meu tamanho. Senti, então, o quanto nada sabemos do mundo. Conhecemos somente nossas aflições e algumas outras coisinhas que estão à nossa volta. Depois dessa reflexão fácil e simples, me veio uma grande vergonha dos meus anseios e vontades e frustrações. Quanto mais eu desejava coisas, mais eu diminuia de tamanho. Fiquei, mesmo, muito pequena. Tão pequena, que já não cabiam mais em mim, meus próprios sonhos.  Me dei conta, então, que  precisava olhar as coisas do mundo com muita atenção, para não me enganar com os seus tamanhos reais. Fui dormir sabendo que eu era apenas um ser pequeno e aflito que sonhava estrelas e namorava luas.


sábado, 24 de abril de 2010

O amor quando rima


Um dia 
    a gente acorda
e o amor foi embora

O gostar
    que não morava 
do lado de fora
     se desmancha
evapora

 Ainda bem
que o amor cansa
     também
     Ainda bem?
Não tão bem

O gostar
precisa sempre
     de alimento
senão
     vai buscar
outro condimento

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Pequeno conto de amor


 Ele descia a rua - uma ladeira - tropeçando nas pedrinhas da calçada, cambaleando. Vinha pensando nela, a mulher que lhe enlouquecia, entorpecia a alma. Ele bebia por ela. Se embriagava dela. Como ele odiava essa mulher! Quantas vezes a matara, estrangulara em pensamento. Mas ela não morria. Principalmente os olhos. Eles o perseguiam por toda parte. Ficavam abertos, imensos, boiando  no espaço, olhando docemente  para ele. Que olhar doce e infernal tinha ela!  E não morriam, os olhos, não morriam. Essa mulher não morria. Como ele odiava essa mulher! E quando ela o beijava, que horror. Que beijo intenso e maldito, que boca herege, sem deus. Deve  ser  grande pecado odiar com tanta força. Que ser desprezível ele se  sentia por não poder do próprio ódio se livrar. Ele pensava e se arrastava, trôpego. E só uma certeza o atormentava - ele iria odiá-la para sempre!

segunda-feira, 12 de abril de 2010



 


 Esse ar que entra
 pela janela,
 esse ar frio...
 Ah, já sei,
 é abril.

sábado, 10 de abril de 2010

Poema guardado


Recolho o poema
como quem
recolhe um filho

Deito ele
em algum lugar
no fundo de mim

De novo semente
calado
no escuro

Guardo o poema
da crueza
do muro


terça-feira, 6 de abril de 2010

Sobre a canção possível


Houve um instante em que foi preciso nascer. Mas ainda assim, não me livrei de um território nebuloso. O mundo  é um lugar hostil, de caminhos misteriosos. Vivo buscando delicadezas,  levezas,  suavidade e sensibilidade em lugares errados. Queria o mundo claro e feliz. E vejo ele escuro e sombrio, muitas vezes. Nasci sem saber a solução de problema algum. Nem sequer, com uma questão colocada. Não. Nada. E fui crescendo sem saber aonde encostar minhas perplexidades. E as horas passaram rápidas, correram, voaram. Num instante já eram dias, meses, anos. E eu tentando decifrar o indecifrável. Daí por diante, vivo assaltada de pressentimentos, colecionando perdas e alguns ganhos. Quando penso em entrar num estado quase vegetal de comtemplação, alguém me arranca de lá. Então, penosamente,  recomeço. Morro muitas vezes, sem me dar conta. Da última vez,  estava olhando o mar. E fiquei tão pequena ali, na frente dele, que  desapareci. Foi difícil voltar. Nasço sempre penosamente. Sem querer. Experimento na tristeza das coisas o meu medo. Mas, de repente, o morto desperta. Sai desse torpor para uma verdadeira agonia existencial.
Talvez seja possível sobreviver. Recuperar amores que ficaram paralizados, inconclusos. Buscar no esgarçado tecido do tempo, o próprio tempo perdido. Talvez...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A espera


A tarde
respinga luz 
na  varanda 
e atravessa  
meu pensamento 
devagar

Nada acontece 
      pra esquecer
   ou lembrar  

Só o imenso vazio
      cortando o tempo.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Uma parte



Porque não sou eu
inteira 
que me dói
são meus fragmentos
partes cortadas
de mim
meus pedaços
meus cacos

A alma
não consegue 
estancar
vou para sempre 
sangrar


quarta-feira, 31 de março de 2010

O lado escuro do mundo


Luis Fernando Veríssimo, que é escritor e jornalista, assina uma crônica na página 'Opinião', do jornal O Globo, todos os domingos. Já me disseram 'Ah, mas ele é filho do grande  Erico Veríssimo'. E daí...isso não lhe dá salvo-conduto. Se não tivesse talento, não venderia tantos livros e não faria o sucesso que faz. Claro que 'grandes amizades' ajudam bastante. Mas Veríssimo é muito bom, apesar de eu ainda preferir o pai, o escritor da trilogia O Tempo e o Vento. Lendo sua crônica, do dia 28 de março passado, me descubro encantada com duas referências. Primeiro, com a bonita lembrança da poeta Lara de Lemos, portoalegrense, que hoje mora no Rio de Janeiro. Veríssimo diz ter se inspirado nela, quando escreveu 'Do lado claro'. E eu me inspirei em você, caro cronista. Coisa que todos nós, famosos ou obscuros escrevinhadores de blogs, fazemos. Quando sentamos atrás de nossas máquinas, buscamos um motivo, um tema, uma razão, por mais simples e singela que seja, para escrever. Porque escrever é vital! Tão necessário como respirar. 


Vi, naquela tarde de  domingo quente e meio macilento, um motivo para acordar e me deparar com uma bela e reconfortante revelação. Compreendi, de repente, porque prefiro não ver ou ignorar certos acontecimentos. A alienação, pode ser mesmo, 'voluntária, deliberada e profilática'. Me encaixei perfeitamente nessa afirmação. Me recuso a comentar certos assuntos. Não porque não me sinta mobilizada ou sensibilizada. Mas porque não quero nem pensar sobre alguns casos. Por mecanismo de defesa, mesmo. Por não querer chafurdar, mesmo que só em pensamento, nessa lama toda. Não vou escrever sobre pai que mata filho, religiosos que abusam de crianças, malucos que se explodem dentro de trens, políticos que usam o povo - desinformado e sufocado em sua pobreza intrínseca e extrínseca - para  saciar sua ânsia  desmedida e paranóica de poder. Decididamente não. Preciso repetir com Veríssimo,  " há momentos em que o desinteressante e o sem nenhuma importância servem como refúgio".
E se me perguntarem, responderei veemente: nada a declarar...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Esses meninos


Os meninos 
do crack 
de Brasília
tão invisíveis 
de não serem
são pedras
rolando
sem rumo 
sem carinho
eles não têm
coração

Ah, esses meninos
são filhos
da corrupção

sábado, 27 de março de 2010

Canção do final


 Ando sem vontades. Pouca inspiração pra viver. Olho pro céu e desejo que chova. Que caia água. Que molhe a minha rua, a minha casa. Que molhe o mundo. Mas se chove, no exato momento, quero o sol outra vez, brilhando. Ando inquieta de dar dó. Quero amar, mas não quero sofrer. Quero ter e nunca perder. Começo a me perguntar  porque as coisas existemJá indaguei até se ainda vivo.  Penso que estou apenas delirando. Posso ser alguém que esqueceu de morrer. Não sei, ando confusa. Me pego caminhando como um robô, mecanicamente. A flor que espalhava perfume nas minhas manhãs, secou na noite passada. Acabo de enterrar meu cão e a minha última canção. Meu melhor amigo  desapareceu. Sumiu na estrela da tarde. Em que constelação procuro por  ele...Estou cheia de reticências, de pontos de exclamações, de dois pontos que nada explicam. E as interrogações não me largam. Outro dia me percebi entre aspas. Estou atônita e  perplexa. O mundo não me surpreende mais.   Estou próxima do tédio, do fastio total.  Começo a visualizar um interminável desfile de criaturas iguais É o desmoronamentosem piedade, das minhas ilusões.  Daqui pra frente, será um eterno 'nada mais esperar'.  Um insuportável  'rendez-vous' de desgostos e desencantosO mar me chama em vão. Tudo me parece distante e cansativo. Talvez  no final do arco íris eu encontre o pote de ouro...Mas não consigo me afastar dessa interminável imobilidade. Meu coração cresce dez metros e não explode, Drummond!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Desordem de mim

No labirinto
me perco
o sal do tempo
me encontra
me dispersa
me dissipa
me dissolve

De  certeza
só o vento
dando nó
em meus cabelos
da maresia
cortando
roendo a alma
por dentro

Tudo é vago e distante
tudo é caminho de volta
tudo é antes

quarta-feira, 24 de março de 2010

O salto mortal


Todos os dias ela ensaiava passos.
 Era  bailarina na vida.
Dessas que nunca fazem 'pas de deux'.
Dançava sozinha.
E a graça e suavidade
que saltavam  das suas sapatilhas, 
se espalhavam  pelos braços,
pelas pernas, tomavam  conta
do seu corpo inteiro.
As angélicas recendiam  perfume
em seus cabelos.
As bailarinas enfeitam e encantam  o mundo!
E ela rodopiava, se soltava na beleza
de um 'pas de valse'.
De vez em quando,  acontecia
um descompasso.
A música tocava  e a bailarina não conseguia  dançar.
Tentava  um 'coupé', mas o passo ficava  capenga.
Era a vida batendo na porta da bailarina.
Nem sempre toca a  música
que a delicadeza sabe dançar.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Armadilhas do tempo

Salvador Dalí

"Não me iludo
Tudo permanecerá
do jeito que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar
Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole
Pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento..."
 Gilberto Gil

O tempo é mágico. E não, não é uma descoberta. Todos nós sabemos disso. Impossível remontá-lo, percorrer os mesmos caminhos. O tempo se dissolve, se desintegra, desaparece na fumaça de nossa lembrança. Transforma-se rápidamente  em algo surreal. Em alguma coisa que vagamente podemos descrever. Lugares que nos pareciam assim, mas já não sabemos se são. 

E os sentimentos? Esses então, mais distantes ficaram. Uma bruma espessa os encobre Não podemos dizer, com exatidão, o que foi gostado ou quanto. Nosso desejo antigo, nos parece irreal.  Não mais alcançamos essa sensação.
É como um objeto que guardamos, muito bem guardado, mas não sabemos aonde. Estamos à mercê desse impostor que nos tritura, nos mói e nos dá as costas.


terça-feira, 2 de março de 2010

Urgência

 Imagem da web (sem autor)
Preciso fazer
meu coração
sofrer

Lanhar a alma
até sangrar

Dilacerar meu ser

Preciso renascer

Fazer um sonho
ressurgir

Mergulhar
no meu mais pleno azul

E quando
a primeira estrela brilhar

Pura e doce
nascer outra vez

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Nascem meninos

Imagem da web (autor desconhecido)

Para um menino 
chamado Henrique, que mora 
no meu coração!

O nosso querido Rubem Braga  disse, numa crônica, que o poeta Drummond fez um poema para os meninos que nascem. Um poema seco e triste. Mas Drummond era assim,  oitenta por cento de ferro na alma, lembram...Itabira...

Pois, diz  o cronista, o poeta contempla com inquietação e melancolia os meninos do futuro. Sente que neste  mundo estranho  as vozes podem perder o sentido ao cabo de uma geração. Pensa nessas pequeninas e vagas criaturas sonolentas, que  não enxergam, não ouvem, não sabem ainda nada do mundo, e quase apenas dormem, cansados do longo trabalho de nascer.  Um texto lindo, que toca o coração da gente.

E diz  ainda,  nosso cronista maior,  que nós todos tentaremos lhes  apontar um caminho. Eles aprenderão que o céu é azul e as árvores são verdes, que o fogo queima, a água afoga, o automóvel  mata, e  que é preciso andar limpo e responder as cartas. Temos  um baú imenso, cheio de noções sobre tudo.

Eu acrescentaria, queridos Drummond e Braga, que é preciso olhar com cuidado  para  a  longa  estrada.. Que há perigos que se escondem, discretamente,  nas  dobras do tempo.  Diria que o amor pode ser doce, mas também pode ferir fatalmente um coração desavisado. Que escondemos mistérios no fundo do nosso ser.  E  há muitas armadilhas espalhadas ao longo da vida .

Mas, por ora, como nascem ainda meninos, lindos e cheios de crença, nós devemos com  carinho  extremo e  devagar, acolhê-los  com afeto e compaixão. E tentar não lhes passar o peso de toda nossa angústia e longa miséria.

Que esses meninos venham com o coração aberto e  cheio de ternura.  Ah, não lhes tiremos a ternura!  Deixemos que o tempo a desgaste. Que tragam algo novo, como melhores  razões para se viver. Que esses meninos surjam como as manhãs claras e azuis. Como a brisa fresca que chega do mar.  Como o amor que  renasce sempre...suave e esperançoso de existir  eternamente.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Pensando em tardes azuis

 Tela de Wieland-Gary
Nas noites em que não durmo, fico ouvindo o silêncio, pondo  lembranças no colo,  amores acariciando.

Se o sono é escasso, noites e eu, choramos  juntas.  E o lamento  agudo e fundo, como uma faca, nos corta, nos fere no mesmo aço.

Abro janelas e portas, empurro o teto pro alto, que a tristeza cresce, precisa de muito espaço.

 A noite é escura e imensa
e num ritual quase macabro
ateamos fogo às vestes,
nos queimamos.

 Depois  morremos nus e ateus,
pensando em frias tardes azuis,
sem crença, sem luz, sem Deus.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O anjo torto

Tela de Vincent Van Gogh
Para um amigo querido, que não
consegue dissipar as brumas
da sua vida.

Ele queria se levantar, claro que queria.
Mas o peso de suas escolhas, lhe prendiam definitivamente ao chão.
E era um anjo. Um doce e terno anjo.
E sem asas e sem céu e sem poder voar,
não sabia mais o seu lugar.
Vagava na noite por bares sujos e estranhos.
Ao lado, às vezes, de gente que não o conhecia, não o compreendia.

Nos momentos de solidão e vazio insuportáveis, fingia felicidade, se arrastando ao lado de  companhias que, sequer por um segundo,  poderiam visitar seu mundo.
Mas ele voltava sempre para o seu quarto confuso, onde  coisas esquisitas e preciosas,  se amontoavam em  prateleiras.
Coisas que quando estendia a mão  para pegá-las, 
desapareciam no fundo buraco  negro da sua história.
Ali, de cabeça baixa, entre surpreso e abatido,
tentava resgatar a vida que passara.
Mas as lembranças iam e voltavam, desencontradas, 
desfocadas pelo tempo.

E era só um anjo que sonhava  sozinho.
Que se embriagava todos os dias de sua humanidade.
E assim, sem ombro pra encostar a alma cansada e triste,
chorava  os amores que não pudera segurar
e as coisas todas que quebrara.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Na fragilidade do instante



Sentei para escrever alguma coisa, e aí lembrei que não precisava escrever. Não necessáriamente. E, se quisesse, nunca mais escreveria uma palavra sequer. Lembrei de Rubem Braga..."estou cansado; quero parar, engordar, morrer". Mas as emoções que o olhar e a  alma acrescentam em minha vida, me provocam erupções na pele,
erosões no coração.
Sou um ser aflito, perdido num turbilhão de sensações.
O vento de um novo amor, pode, de repente, me transportar
para o vácuo de um mundo desconhecido.
Então, posso ficar tateando, por tempo infinito,
sem descobrir aonde estou, aonde fica esse lugar
que me põe estrelas no caminho e afasta o jardim
de águas e pedras por onde, sozinha, meditava.
Que surpresa, que espanto me sacode as entranhas.
Posso, nesses instantes de alvoroço emocional, sentir o estômago
em convulsão. Sou um ser virado do avesso.
Mas, sobretudo, sou um ser que estende o braço, num gesto de ternura imensa, querendo tocar o outro.

Sentei para escrever alguma coisa...



sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Canção de ser sozinho


 Foto de Marta Bucher

Um elo de uma corrente... solto.
Somos assim como as folhas
que se desprendem das árvores.
 O vento escolhe  o caminho.
Batemos aqui  e  ali,
escorregando  em  calçadas,
tocando em  vidraças,
 janelas que nunca entramos.

Não pensar
ou pensar pouco,
sem surpresa ou espanto.

Transpor o tédio das horas
sem esforço,
como uma margem sem rio.
Atravessar as tardes
sem esperar milagres.
É tudo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sobras

Tento descobrir  sentimentos,
embaixo dessas nódoas de tempo.
Mas tudo se esconde,
desaparece em forma gasosa;
vira vapor, fumaça, nuvem.
Então me volto para o toque
da noite infinita no alto do céu,
para os beijos de estrelas,
abraços de luas.
Persigo rastros de emoções,
nas sobras dos olhares
e seguro nas mãos,
restos de amores...