quarta-feira, 31 de março de 2010

O lado escuro do mundo


Luis Fernando Veríssimo, que é escritor e jornalista, assina uma crônica na página 'Opinião', do jornal O Globo, todos os domingos. Já me disseram 'Ah, mas ele é filho do grande  Erico Veríssimo'. E daí...isso não lhe dá salvo-conduto. Se não tivesse talento, não venderia tantos livros e não faria o sucesso que faz. Claro que 'grandes amizades' ajudam bastante. Mas Veríssimo é muito bom, apesar de eu ainda preferir o pai, o escritor da trilogia O Tempo e o Vento. Lendo sua crônica, do dia 28 de março passado, me descubro encantada com duas referências. Primeiro, com a bonita lembrança da poeta Lara de Lemos, portoalegrense, que hoje mora no Rio de Janeiro. Veríssimo diz ter se inspirado nela, quando escreveu 'Do lado claro'. E eu me inspirei em você, caro cronista. Coisa que todos nós, famosos ou obscuros escrevinhadores de blogs, fazemos. Quando sentamos atrás de nossas máquinas, buscamos um motivo, um tema, uma razão, por mais simples e singela que seja, para escrever. Porque escrever é vital! Tão necessário como respirar. 


Vi, naquela tarde de  domingo quente e meio macilento, um motivo para acordar e me deparar com uma bela e reconfortante revelação. Compreendi, de repente, porque prefiro não ver ou ignorar certos acontecimentos. A alienação, pode ser mesmo, 'voluntária, deliberada e profilática'. Me encaixei perfeitamente nessa afirmação. Me recuso a comentar certos assuntos. Não porque não me sinta mobilizada ou sensibilizada. Mas porque não quero nem pensar sobre alguns casos. Por mecanismo de defesa, mesmo. Por não querer chafurdar, mesmo que só em pensamento, nessa lama toda. Não vou escrever sobre pai que mata filho, religiosos que abusam de crianças, malucos que se explodem dentro de trens, políticos que usam o povo - desinformado e sufocado em sua pobreza intrínseca e extrínseca - para  saciar sua ânsia  desmedida e paranóica de poder. Decididamente não. Preciso repetir com Veríssimo,  " há momentos em que o desinteressante e o sem nenhuma importância servem como refúgio".
E se me perguntarem, responderei veemente: nada a declarar...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Esses meninos


Os meninos 
do crack 
de Brasília
tão invisíveis 
de não serem
são pedras
rolando
sem rumo 
sem carinho
eles não têm
coração

Ah, esses meninos
são filhos
da corrupção

sábado, 27 de março de 2010

Canção do final


 Ando sem vontades. Pouca inspiração pra viver. Olho pro céu e desejo que chova. Que caia água. Que molhe a minha rua, a minha casa. Que molhe o mundo. Mas se chove, no exato momento, quero o sol outra vez, brilhando. Ando inquieta de dar dó. Quero amar, mas não quero sofrer. Quero ter e nunca perder. Começo a me perguntar  porque as coisas existemJá indaguei até se ainda vivo.  Penso que estou apenas delirando. Posso ser alguém que esqueceu de morrer. Não sei, ando confusa. Me pego caminhando como um robô, mecanicamente. A flor que espalhava perfume nas minhas manhãs, secou na noite passada. Acabo de enterrar meu cão e a minha última canção. Meu melhor amigo  desapareceu. Sumiu na estrela da tarde. Em que constelação procuro por  ele...Estou cheia de reticências, de pontos de exclamações, de dois pontos que nada explicam. E as interrogações não me largam. Outro dia me percebi entre aspas. Estou atônita e  perplexa. O mundo não me surpreende mais.   Estou próxima do tédio, do fastio total.  Começo a visualizar um interminável desfile de criaturas iguais É o desmoronamentosem piedade, das minhas ilusões.  Daqui pra frente, será um eterno 'nada mais esperar'.  Um insuportável  'rendez-vous' de desgostos e desencantosO mar me chama em vão. Tudo me parece distante e cansativo. Talvez  no final do arco íris eu encontre o pote de ouro...Mas não consigo me afastar dessa interminável imobilidade. Meu coração cresce dez metros e não explode, Drummond!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Desordem de mim

No labirinto
me perco
o sal do tempo
me encontra
me dispersa
me dissipa
me dissolve

De  certeza
só o vento
dando nó
em meus cabelos
da maresia
cortando
roendo a alma
por dentro

Tudo é vago e distante
tudo é caminho de volta
tudo é antes

quarta-feira, 24 de março de 2010

O salto mortal


Todos os dias ela ensaiava passos.
 Era  bailarina na vida.
Dessas que nunca fazem 'pas de deux'.
Dançava sozinha.
E a graça e suavidade
que saltavam  das suas sapatilhas, 
se espalhavam  pelos braços,
pelas pernas, tomavam  conta
do seu corpo inteiro.
As angélicas recendiam  perfume
em seus cabelos.
As bailarinas enfeitam e encantam  o mundo!
E ela rodopiava, se soltava na beleza
de um 'pas de valse'.
De vez em quando,  acontecia
um descompasso.
A música tocava  e a bailarina não conseguia  dançar.
Tentava  um 'coupé', mas o passo ficava  capenga.
Era a vida batendo na porta da bailarina.
Nem sempre toca a  música
que a delicadeza sabe dançar.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Armadilhas do tempo

Salvador Dalí

"Não me iludo
Tudo permanecerá
do jeito que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar
Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole
Pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento..."
 Gilberto Gil

O tempo é mágico. E não, não é uma descoberta. Todos nós sabemos disso. Impossível remontá-lo, percorrer os mesmos caminhos. O tempo se dissolve, se desintegra, desaparece na fumaça de nossa lembrança. Transforma-se rápidamente  em algo surreal. Em alguma coisa que vagamente podemos descrever. Lugares que nos pareciam assim, mas já não sabemos se são. 

E os sentimentos? Esses então, mais distantes ficaram. Uma bruma espessa os encobre Não podemos dizer, com exatidão, o que foi gostado ou quanto. Nosso desejo antigo, nos parece irreal.  Não mais alcançamos essa sensação.
É como um objeto que guardamos, muito bem guardado, mas não sabemos aonde. Estamos à mercê desse impostor que nos tritura, nos mói e nos dá as costas.


terça-feira, 2 de março de 2010

Urgência

 Imagem da web (sem autor)
Preciso fazer
meu coração
sofrer

Lanhar a alma
até sangrar

Dilacerar meu ser

Preciso renascer

Fazer um sonho
ressurgir

Mergulhar
no meu mais pleno azul

E quando
a primeira estrela brilhar

Pura e doce
nascer outra vez