sexta-feira, 30 de abril de 2010

Contradição


 Dizer  sim
quando só posso 
      dizer não
qual fere menos
meu coração
dizer não
quando só posso 
     dizer sim

Isso é contra a razão
 

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sob o luar de abril


Pensamos que somos grandes porque não olhamos o mar.  Pelo menos não o olhamos verdadeiramente. O mar é imenso e faz um barulho eterno. Também não olhamos de verdade para o céu. Nunca pensamos na distância das estrelas, quando olhamos para elas. Ontem, a lua estava imensa, branca e redonda, pendurada na minha janela. Fiquei com receio que ela inventasse de entrar.  Mas nesse instante, pensei...por que ela entraria justamente na minha sala. Só porque nas noites em que ela me aparece inteira, toda feita de madrepérola, fico olhando o céu enfeitiçada...só por isso...

Mas tal qual uma Alice no país dos espantos, fui diminuindo, diminuindo até ficar do meu tamanho. Senti, então, o quanto nada sabemos do mundo. Conhecemos somente nossas aflições e algumas outras coisinhas que estão à nossa volta. Depois dessa reflexão fácil e simples, me veio uma grande vergonha dos meus anseios e vontades e frustrações. Quanto mais eu desejava coisas, mais eu diminuia de tamanho. Fiquei, mesmo, muito pequena. Tão pequena, que já não cabiam mais em mim, meus próprios sonhos.  Me dei conta, então, que  precisava olhar as coisas do mundo com muita atenção, para não me enganar com os seus tamanhos reais. Fui dormir sabendo que eu era apenas um ser pequeno e aflito que sonhava estrelas e namorava luas.


sábado, 24 de abril de 2010

O amor quando rima


Um dia 
    a gente acorda
e o amor foi embora

O gostar
    que não morava 
do lado de fora
     se desmancha
evapora

 Ainda bem
que o amor cansa
     também
     Ainda bem?
Não tão bem

O gostar
precisa sempre
     de alimento
senão
     vai buscar
outro condimento

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Pequeno conto de amor


 Ele descia a rua - uma ladeira - tropeçando nas pedrinhas da calçada, cambaleando. Vinha pensando nela, a mulher que lhe enlouquecia, entorpecia a alma. Ele bebia por ela. Se embriagava dela. Como ele odiava essa mulher! Quantas vezes a matara, estrangulara em pensamento. Mas ela não morria. Principalmente os olhos. Eles o perseguiam por toda parte. Ficavam abertos, imensos, boiando  no espaço, olhando docemente  para ele. Que olhar doce e infernal tinha ela!  E não morriam, os olhos, não morriam. Essa mulher não morria. Como ele odiava essa mulher! E quando ela o beijava, que horror. Que beijo intenso e maldito, que boca herege, sem deus. Deve  ser  grande pecado odiar com tanta força. Que ser desprezível ele se  sentia por não poder do próprio ódio se livrar. Ele pensava e se arrastava, trôpego. E só uma certeza o atormentava - ele iria odiá-la para sempre!

segunda-feira, 12 de abril de 2010



 


 Esse ar que entra
 pela janela,
 esse ar frio...
 Ah, já sei,
 é abril.

sábado, 10 de abril de 2010

Poema guardado


Recolho o poema
como quem
recolhe um filho

Deito ele
em algum lugar
no fundo de mim

De novo semente
calado
no escuro

Guardo o poema
da crueza
do muro


terça-feira, 6 de abril de 2010

Sobre a canção possível


Houve um instante em que foi preciso nascer. Mas ainda assim, não me livrei de um território nebuloso. O mundo  é um lugar hostil, de caminhos misteriosos. Vivo buscando delicadezas,  levezas,  suavidade e sensibilidade em lugares errados. Queria o mundo claro e feliz. E vejo ele escuro e sombrio, muitas vezes. Nasci sem saber a solução de problema algum. Nem sequer, com uma questão colocada. Não. Nada. E fui crescendo sem saber aonde encostar minhas perplexidades. E as horas passaram rápidas, correram, voaram. Num instante já eram dias, meses, anos. E eu tentando decifrar o indecifrável. Daí por diante, vivo assaltada de pressentimentos, colecionando perdas e alguns ganhos. Quando penso em entrar num estado quase vegetal de comtemplação, alguém me arranca de lá. Então, penosamente,  recomeço. Morro muitas vezes, sem me dar conta. Da última vez,  estava olhando o mar. E fiquei tão pequena ali, na frente dele, que  desapareci. Foi difícil voltar. Nasço sempre penosamente. Sem querer. Experimento na tristeza das coisas o meu medo. Mas, de repente, o morto desperta. Sai desse torpor para uma verdadeira agonia existencial.
Talvez seja possível sobreviver. Recuperar amores que ficaram paralizados, inconclusos. Buscar no esgarçado tecido do tempo, o próprio tempo perdido. Talvez...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A espera


A tarde
respinga luz 
na  varanda 
e atravessa  
meu pensamento 
devagar

Nada acontece 
      pra esquecer
   ou lembrar  

Só o imenso vazio
      cortando o tempo.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Uma parte



Porque não sou eu
inteira 
que me dói
são meus fragmentos
partes cortadas
de mim
meus pedaços
meus cacos

A alma
não consegue 
estancar
vou para sempre 
sangrar