segunda-feira, 31 de agosto de 2009

De uma ausência inventada


Tela de Henri Matisse


Sim, Vinicius, precisamos conjugar a ausência.
Precisamos do ausente, dizer do vazio que ficou.
É necessário que ele saiba das batalhas que travamos,
das guerras que perdemos, das casas que habitamos,
da poesia que dissemos e da longa espera
olhando para o longe, para o infinito distante.

Devemos lhe contar, com o olhar baixo e triste, dos amores
que perdemos. Porque essa é sempre a perda que mais dói.
É inevitável que ele saiba que as  flores murcham sem ele.
Que não há  jardim. Que outoniço sem a sua presença.
E, mais que tudo, é indispensável que ele saiba, que a escada que
nos levava para o céu partiu-se, e que um deserto instalou-se.

E entre admirada e atônita, como uma criança, acendo estrelas
para iluminar a sua volta.


"Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança."

Vinicius de Moraes em Conjugação da Ausente

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Quero mais...


Quando a saudade começa a cantar na minha janela,
já sei que o 'agora' está com vontade de ir morar
em outro canto qualquer.

É a hora dos pressentimentos. Pode ser só um palpite.
E um palpite infeliz.
Uma espécie de intuição, de presságio. Mais uma desconfiança...mas a dúvida já se instala. Ah...pressentir, que sensação desagradável!
Sentir antes, antecipadamente...


Não morar no 'agora', mesmo que por instantes, por tempo muito pequeno, inclui um certo desassossego,
uma certa inquietação. O 'agora' é o porto seguro (?)
aonde descanso minhas angústias e esperas.
O mar adentro de novo, me enche
de interrogações, de misteriosas incertezas.


Mas ficar é tão desalentador, tão fatigante, tão cansativo...
E quando o 'agora' acende a luzinha do alarme, sei que é hora de arrumar o barco para seguir a viagem.
Prefiro o não saber à resignação do agora já conhecido, de paisagens áridas e desertos de emoção.


Quero o verde de um mato molhado de sentimentos. Um tempo de delicadezas refloridas, do amor se redescobrindo, que ele é sempre o mesmo, querendo rebrotar em cada recomeço. Sempre trêmulo e poderoso, nos revelando a vida!


Quero mais...
Mais pessoa, mais alma, mais poesia!


E como diz a canção...

"Quero mais
Uma fatalidade, um jazz
Um raio me cortando, um gás
Me embriagando faz
Um terremoto em mim
Da guerra quero sim
Só aprender a paz

Quero sim
Me travestir de querubim
Me enxovalhar num botequim
Numa alegria enfim
Me abandonar em mim
Delírio sem ter fim
Eterno tanto faz

Para que eu não enlouqueça
Me rouba a razão
Para que eu não adoeça
Me mata de paixão
O amor é ópio coração
Quero insana, mais uma ilusão."


Angela Ro Ro e Ana Terra

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"A insustentável leveza do ser"

Tela de Bouguereau

"Minha vida aportou aqui sem dizer
que ia ficar,

tal como a canoa do pescador
que pára junto
a uma pedra,
sem
saber se é por meia hora ou pelo dia inteiro.
Entendo que é apenas mais uma estação, nesta viagem
em
demanda de coisa alguma."

Rubem Braga


S
eria bom se estivéssemos sempre prontos para partir.
Com a bagagem reduzida, para que atrapalhasse o mínimo possível.
Com os adeuses em dia, sem mágoas guardadas, nem amores reprimidos.
Livres de ranços passados, de sentimentos não resolvidos.
Seria bom! Partiríamos calmos, mansos, apaziguados com nós mesmos.

Partiríamos sem pensar em lugares não visitados,
em livros não lidos,
nos papéis guardados, que não serviram para nada,
em telefonemas que não demos, no amigo que não apertamos
num abraço cheio de calor e agradecimento.

Partiríamos livres e soltos e leves e conformados.
Pois que não houve palavra alguma que não foi escrita ou pronunciada.
Nenhuma emoção escondida, nenhum pensamento ignorado.
Erguemos diante do mar de nossa existência, todas as possibilidades.

Só assim é possível partir!
Só dessa forma não nos agarraríamos nas pedras que pensávamos
que segurassem nossas casas e amarrassem nossas asas e almas.
Nossas moradas são frágeis e efêmeras.
Tudo à nossa volta é feito de brisa.

E já transformados em éter, precisaríamos apenas
de um vento suave e doce.
Partiríamos embalados por canções e o ruído familiar do farfalhar
de folhas, como se fossem ainda em nossos quintais.

E
na essência de nós, a certeza de uma palavra preciosa,
de gestos puros de carinho!
Levando, na memória da vida, só os amores
que amamos com tanta ternura!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

No suave silêncio de agosto

Tela de Georges François Laugée
Este agosto que me cobre de silêncio
tem gosto de desejos pendurados
no varal do esquecimento.
Me lembra campos molhados
de venturas e emoções passadas.
E arrepia minha alma
quando faz soprar em mim
os ventos de outra vez.
Faço tudo devagar
pra não quebrar o momento.

Este agosto me faz sonhar.
Imagino coisas de olhos abertos.

Este agosto tem perfume,
cheiro bom de sentir!
E a boca fica calada, se aquieta.
Estou só querendo ouvir.

Falo pouco, olho pro lado indiferente
e desconfio da realidade.

Que este agosto me sabe trazer felicidade!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O anjo de Rilke


O Anjo
 
"Com um mover da fronte ele descarta
tudo o que obriga, tudo o que coarta,
pois em seu coração, quando ela o adentra,

a eterne Vinda os círculos concentra.
,
O céu com muitas formas Ihe aparece
e cada qual demanda: vem, conhece -
Não dês às suas mãos ligeiras nem
um só fardo; pois ele, à noite, vem

  
à tua casa conferir teu peso,
cheio de ira, e com a mão mais dura,
como se fosses sua criatura,
te arranca do teu molde com desprezo.

Rainer Maria Rilke


Eu quero um anjo assim
como o de Rilke
Um anjo quase humano
Que se materialize
em anjo-homem
Que de vez em quando
quebre a asa e a alma
Um anjo com vaidades
Cheio de virtudes e pecados
e às vezes meio malvado
De quem a gente tem pena
e precisa perdoar
Eu quero um anjo assim
Para poder me espelhar...