segunda-feira, 27 de abril de 2009

Nas noites de abril

Fotografia de Nicolas Biron

"A minha 
insônia 
é um vasto
mural no 
tempo, 
composto  
de quadros 
díspares e 
desordenados,
cuja unidade em todo 
o cosmos é um 
fiozinho 
mínimo e
invisível  
dentro da noite..."

P.M.C

Por diversas razões não dormimos. Às vezes não queremos fechar os olhos. Simplesmente. O sono vem, mas o ignoramos. Preferimos ler, conversar com um amigo, ver um filme, jogar uma partida de xadrez. Qualquer coisa que nos arranque desse território pantanoso, que nos distraia, que nos afaste do torpor do sono.
Dormir pode significar, muitas vezes, morrer um pouco. Quando estamos dormindo, não estamos vivendo. A vida está ali...mas ao lado. Só os fantasmas habitam nosso sono.
Quando estou dormindo, minha alma se embrenha por pântanos e abismos, vagueia por caminhos desconhecidos, perdidos em uma bruma espessa, por corredores pedregosos, por ladeiras íngremes e ilhas e precipícios. 
Pouco reconhecemos do que vemos em nossos sonhos. Olhamos a paisagem e ela é esquiva e distante.  O mar não é o mar e o céu em que muitas vezes voamos, é um céu sem nuvens e vazio e nebuloso.
Talvez eu não goste de fazer essas viagens, percorrer essas geografias estranhas. Definitivamente prefiro ficar com os olhos bem abertos, esperando que esses mortos que habitam as noites, resolvam partir assim que a primeira claridade apareça.
Prefiro a companhia dos 'meus' fantasmas particulares! 
Já os conheço e, assim, entabulamos longas e intermináveis conversas.
Tramamos uma luta, sim. Eu e o sono...Uma grande batalha em que ele sempre vence. E assim eu me curvo à sua vontade. E é quase já fora de mim, meio entorpecida, carregando os restos do dia que ele me leva para a minha grande e deliciosa cama, onde eu só preciso fechar os olhos. Porque ele já tomou conta de tudo!



sábado, 25 de abril de 2009

Ficção


 












"O cheiro da  tua devoção  de cada instante, cheirando a alecrim 
ou mato verde, o cheiro da tua emoção constante, como o da terra  viva molhada  de chuva..."       Vinicius de Moraes

Quando o amor chega
será que vem
pra ficar

E a alma em brasa
me diz
escuta amada

o amanhã
ainda dorme

 
Nada sabemos dele


Dorme no fundo
da concha
dentro da água salgada
 O amanhã é um
       segredo
que tentamos
       decifrar


sexta-feira, 24 de abril de 2009

Uma gaivota na manhã


Ela veio descendo, perdendo altura, se aproximando e passou rente à minha janela.
Era de manhã e o dia era claro e azul.
E essa gaivota planava suavemente.
Vinha tirando rasantes das amendoeiras que se estendiam
no alto de suas copas, feito braços no ar.
Mas as amendoeiras não voam.
Estão como nós presas em suas raízes.


A gaivota voava e sentia no corpo o vento que trazia o cheiro do dia claro.
O ar era leve e fresco essa manhã.
E, de repente, me veio vontade de ser gaivota,
de ganhar o espaço e me desprender de medos
e angústias e preocupações mesquinhas.
Pobres seres atormentados que somos.
Não temos tempo de ver a beleza das coisas.
Quase tudo nos escapa, apressados que estamos atrás do que não nos faz felizes!

Essa gaivota nos observava essa manhã.
Nos olhava do alto, em nossa aflição
tão sem sentido para ela.
Ela não se importava com o tempo,
não se afligia com o passar das horas.
Não precisava lamentar as guerras nem os homens
que se matam uns aos outros.
Cortava o céu tão despreocupada,
que parecia só pensar na beleza daquele instante.
Ela me deixou o resto do dia um gosto de mar na saliva.

Tudo em nós impede nosso vôo.
Temos ambições e vaidades.
Nossa bagagem é pesada demais.
Nós, pobres criaturas de asas cortadas.




terça-feira, 21 de abril de 2009

Promessas de abril


"Prometo, antes que novo crepúsculo me
confunda, arrumar definitivamente a
desordem que me ficou daquela tarde.
Seria bom ter um caderno para classificar
cada coisa em sua letra  apropriada..."
Paulo Mendes Campos

Então fiz uma pequena lista:

Arquivar as 'florinhas' brancas que saltam
desajeitadas de um vaso

Fazer um pequeno poema de ternura
para o amigo distante


Trancar o tempo no fundo de
um armário qualquer

Procurar todas as cartas de amor
que se perderam

E guardar o pedaço de lua que espalha
saudade no parapeito da minha janela



sábado, 18 de abril de 2009

Miragens


 
Os poetas se consomem
em labaredas

Vasculham
a própria história
atrás de lembranças
que machucam
e canções esquecidas
na memória

Procuram
sem descanso
amores antigos
que dormem
no remanso

Estão no vento
no redemoinho
a reerguer
os sonhos
e construir castelos

Mas nos dizem sempre
no momento exato
a palavra que nos salva

Estão sempre em busca
de milagres
Os que ainda não aconteceram


sexta-feira, 17 de abril de 2009

Fazendo ninar a tristeza




Difícil despedir uma tristeza que teima em se instalar no nosso olhar.
Tristezas não falham. São certas e seguras.
São firmes e querem ficar.


A primeira coisa que se deve fazer, depois do descuido de deixá-la se aninhar,
é não mostrar receio ou assombro.
As tristezas são mansas, não assustam.
Chegam já fatigadas, carregadas de lembranças, de desgostos, de saudades.

Devemos recebê-las, portanto, com ternura. Com melancolia e ternura.
Colocá-las nos braços e embalá-las,
cantando uma doce canção de ninar!

Quem sabe elas adormeçam...


Por onde a poesia escorre


"Ele era poeta como quem se afoga.
Nas suas noites, sempre a poesia,
subitamente a vazar de
encanamentos mal
soldados
em suas pernas e seus braços,
e a invadir-lhe a casa,
perseguindo-o
da sala
para o quarto,
do quarto
para o banheiro,
do banheiro para
o escritório onde, exausto,
ele acabava por se trancar.

E seu corpo outrora vasto, já agora reduzido
pelas dolências, subia boiando
com o nível das águas
até o emparedamento total e a asfixia,
como nos antigos suplícios por afogamento
em recinto fechado.

E ele morria em seu noturno aquário,
esmagado pelo teto do infinito,
náufrago de si mesmo...

Um poeta como quem se afoga! "

Vinicius de Moraes escreveu o texto acima, na morte do poeta
Augusto Frederico Schmidt, que nasceu no Rio de Janeiro,
na Rua Marques de Abrantes, no Flamengo.
E que descubro, recentemente,
era casado com a sobrinha de Jaime Ovalle.
Mas essa é outra história.

quarta-feira, 15 de abril de 2009




Esgarçada e indefinida,
mais intensa hoje,
menos intensa amanhã,
porém profunda e permanente,
mesmo quando parece apagada e diluída,
a amizade vai e volta em seu mistério.
Nela pode até haver rompimento,
como no casamento,
mas ninguém 'se separa'
e pede partilha de bens.


Millôr Fernandes

terça-feira, 14 de abril de 2009

O acaso...


Pura
coincidência. Foi só o acaso que me fez abrir um livro e ler "na noite de 14 de abril de 1912, ele chocou-se com um iceberg e afundou na madrugada do dia 15 de abril de 1912". Uma mera casualidade sem nenhuma importância.

A vida está cheia desses encontros fortuitos. Pequenos acontecimentos que se prendem a leis ignoradas e que, às vezes, nem percebemos, tão insignificantes são.

Aprendi com o tempo, a prestar um pouco mais de atenção às coisas à minha volta. Mas não para ser detalhista - o que não suporto - mas para olhar melhor o mundo mesmo. Digamos que uma forma egoísta de absorver mais coisas, de tentar dilatar meu microscópico universo.

Eu era ainda uma garotinha quando ouvia com muito interesse contarem essa história: O naufrágio do Titanic! Via as fotos dos 'icebergs' nas revistas e nos livros e ficava fascinada por eles. Na verdade são lindos pousados no mar, pacíficamente, branquinhos como flocos de algodão. Alguns parecem nuvens caídas do céu. É que tudo pode ser visto de várias maneiras.

E metida com os livros como sempre, descobri que um poeta inglês havia feito um poema para essa tragédia. Thomas Hardy, tinha traduzido em versos, exatamente esse sentimento em relação à simultaneidade de fatos. Tudo que a nossa fantasia cria em torno disso. Tenho a impressão que essa catástrofe povoou a imaginação de todos nós.


E me dei conta, então, que se tratava de uma história de coincidências. Costumamos dizer 'se eu não tivesse feito isso, se eu não tivesse feito aquilo. Sempre temos um 'se' na nossa vida. Mas esse poeta diz que em seus devaneios, imaginava o fatídico 'iceberg' se desprendendo de uma geleira, imenso, ganhando uma corrente marinha e começando a deslizar para cumprir o seu suposto destino. É uma visão romântica, poética, afinal ele era poeta.


Pura fatalidade, sem maiores consequências se não fossem as coincidências. Afinal com muita frequência, devem se desprender 'icebergs' por esses mares gelados.

Acontece que na mesma rota dessa parede imensa de gelo, no mesmo caminho, um luxuoso navio, o maior e melhor que existia no mundo, deslizava também. Essa é a trágica história de um encontro marcado! Os ponteiros do tempo queriam ali acertar diferenças. Aí está a sincronia, essa simultaneidade de fatos que se juntam, e às vezes, de forma tão macabra!

Lá estava, naquele poema de Thomas Hardy, o Titanic crescendo em tamanho e graça, navegando naquelas águas geladas. Mas longe também crescia em silêncio o 'iceberg'.

Estranhos um ao outro, mas inexoravelmente ligados. À mercê do tempo e seus caprichos! Pois somos todos impotentes a essas fatalidades. Esses destinos trágicos não podemos prever. Não temos o poder de interpretar o texto que nos precede. Essa espécie de gratuidade cósmica está aí, nos espreitando em cada esquina.


São histórias marcadas por coincidências ! E nenhum 'se' fará com que desviemos nossas rotas, porque acredito que são só fatalidades.


E um poeta disse certa vez, ouvindo um saxofone numa estação de subúrbio distante, que havia adivinhado o resto de sua vida... Meu querido, os poetas podem adivinhar as suas vidas e decifrá-las!


Há sempre um farol, sempre uma tocha acesa,
qualquer luzinha, esperando num porto qualquer.
E quando o nevoeiro permite, às vezes,
conseguem ancorar suas embarcações.

Senão, ficam perdidos, contando as estrelas no céu...



quarta-feira, 8 de abril de 2009

Navegar é preciso...



Agora eu sei
que o destino é navegar
Vou morrer sem saber
aonde é o cais.



terça-feira, 7 de abril de 2009

Um homem só...


Fotografia de Henri Cartier-Bresson


Não foi o homem que se transformou
em monstruoso inseto.
Não para Paulo Mendes Campos!
Ele fez um inseto acordar um dia, um homem.
Aquela criatura pela manhã, sem consciência do que
acontecera, até tentara voar para
um ôco qualquer de pau.
Mas nada. Tinha agora um corpo pesado e estranho.
Aquele pequeno inseto havia acordado homem!
E agora tinha duas pernas imensas e pressentimentos
e sensações esquisitas.
Percebeu então que pensava! E isso lhe era muito desagradável.
E nesse exato momento, sentiu um cansaço imenso! Percebeu que além de um corpo, tinha agora que carregar uma alma! E um grande tumulto interior se iniciou.
 
"Era um zumbido de idéias confusas e partidas, a exigir do antigo inseto uma teoria geral do universo".
 

É... essa estranha criatura queria entender o mundo! Mas de tudo ele só conseguia ver metades. Nunca a idéia inteira, nunca o sentimento inteiro, nunca a palavra inteira. Só metades! Tudo partido, tudo imperfeito, tudo faltando... E o homem começou a sentir uma certa nostalgia de ser inseto!
E foi exatamente a esse mal-estar, a essa sequência de sensações desencontradas que ele deu o nome de alma. E a alma, que ele não sabia o que era ou onde ficava, teve a necessidade insuportável de abrigar-se na mão de Deus.

E sem Deus, mas precisando de Deus, continuou para sempre, desamparado e só. E sentindo um imenso vazio!

E se deu conta, afinal, de que era apenas um homem. Um triste e infeliz homem olhando o infinito sem poder entendê-lo!



sábado, 4 de abril de 2009

Namorar...



Fotografia de Robert Doisneau


"Se você não tem namorado
é porque não descobriu que o amor
é alegre e você vive pesando
duzentos quilos de grilos e de medos.
Ponha a saia mais leve, aquela

de chita, e passeie
de mãos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas e ternuras
e escove a alma com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração estouvado,
saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.


Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.
Ponha intenção de queimar-se em seu próprio fogo
e beba licor de contos de fada.

Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse
uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante
a dizer frases sutis e palavras de galanteio.

Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele
pouquinho necessário para fazer a vida parar
e, de repente, parecer que faz sentido!"

Artur da Távola



Ele morreu no ano passado. De repente. Sem dar tempo de nos despedirmos dele. Docemente, como viveu. Artur da Távola é só o nome que ele inventou. Uma forma de homenagear aquele Artur que lutou contra os invasores saxões. Figura fascinante do folclore e da literatura inglesa.

Desde menina gosto dessa história. E entendo que Artur da Távola teve como referência a vida desse distante rei, conhecido no mundo por sua coragem e sinônimo de tudo que é honrado! Ele e seus cavaleiros da Távola Redonda!


O seu verdadeiro nome era Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros. Nasceu no Rio de Janeiro em 1936. Foi advogado, jornalista, escritor, professor e político. Mas não foi qualquer político. Era honesto, tinha dignidade! Cassado pela ditadura militar foi viver no Chile.

Era um apaixonado pela música clássica e erudita.
E é dele a frase:


"
Namorado é um espelho que reflete o outro, o morador desconhecido dentro de nós."

Artur da Távola foi um homem bonito que passou por essa terra!

 

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Des-esperar

Sebastião Salgado

A angústia
é o medo
o olhar perdido
o coração
que se fecha

A luz à espreita
e nada

Nem uma brecha