sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Bailarina da penumbra


Fotografia de Thomaz Farkas
 
Mal acabo de me espreguiçar de longas e intermináveis noites, e vislumbro, de repente, uma luz que  dança à minha volta.  Uma luz ainda tímida, meio acanhada, receosa, como um leve  sussurro no ar. Uma brisa que vem roçar minhas vidraçasme soprar palavras doces, me contar da imensa saudade que teve de carregar  todo esse tempo. Deixo ela entrar...essa luz que traz doçura  e beleza.
Quase a empurro para dentro da minha longa espera.  
Deixo que ela me devolva,  cada momento 
que ficou perdido pelo caminho. 
Somos, agora, bailarinos da mesma dança. 


quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Poesia...

 Imagem da web (autor desconhecido)
Poesia
o que é a poesia
às vezes morna
às vezes fria
quase sempre
é sangria
que palavra nenhuma
estanca

Quando é arrancada
da alma
já nasce
toda encarnada
ferida
ensanguentada

Nem sempre cheira
a jasmim
às vezes,
igual ao mundo,
tem cheiro de lama
no fundo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Canção de amar


Gala por Salvador Dalí

Enquanto não vens,
sou ave que voa alto,
palmeira abanando
ao vento.
Fico cismando
segredos,
chuvas finas,
arrepios.

Me transformo em rio
sem margens,
fico líquida,
transbordo
E na areia, 
na crueza dos desertos,
lagos faço brotar.

Enquanto não vens,
meu coração
lento bate,
fico suspensa no ar



sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Um olhar sobre as arestas



Os dias se desfiando 
um por um
pra onde vão
Aonde vai o tempo
assim
depois de usado

Hora por hora
a vida me consome
numa tarefa estranha
Transformar o instante já
Inventar uma flor
vistosa e bela
sobre cascalhos e pedras

Preciso inaugurar janelas novas
sobre a mesmice das coisas





domingo, 29 de novembro de 2009

Caso de amor


 
Ela ficou louca - dizem - de tanto falar com as nuvens. 
Andava por aí, vendo o mundo de cabeça pra baixo,  
pondo reparo  em tudo, des-consertando as coisas. 
Vivia cismada, olhando a ponta 
do horizonte.
Insistindo em ver o mundo 
de outro jeito.

 As noites... ela queria encurtar,  só pra ter manhãs de sol infinitas.  
Navegava, certas tardes, no brilho do verde do mar.  Inundava o caminho  de imagens estranhas, esquisitas. 
Se alimentava de  desejo de encontros. E na luz das  claras manhãs, colhia  borboletas  que brotavam  nos ramos. 

As flores em suas mãos, trocavam de cores quando queriam voar. 
E no ar, ela desenhava passos de dança, vozes do vento,  
o som  das folhas quando caiam. 
E sabia de cor, todos os tons do entardecer.
Certo mês,  caminhou os dias todos sobre um fio transparente, segurando uma sombrinha invisível.
Aprendera  a andar sobre a emoção.

E quando a água descia pelos beirais, sua figura irreal deslizava sonhos na ponta dos pés. 
Um dia, o luar enamorou-se dela e foram juntos morar.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Vestígios


Foto da web (autoe desconhecido)

O meu texto é curto
cortina de palavras
de transparência suave

Nuanças e matizes
que se estendem
profundas no infinito

Parede caiada com pregas
dobra de muro
reentrâncias
tudo que a hera esconde

O meu texto é só pretexto
pra alma poder respirar


domingo, 22 de novembro de 2009

Canção de encontrar o amigo



Marcos Quinan
O  amigo Quinan,  escreve poemas e canções.
É artista plástico, e tenta segurar dentro do peito, uma sensibilidade que ali não cabe. Vaza, se derrama.

Escreve histórias também, de lugares distantes que nem
sei aonde ficam. Alguns, só existem na imaginação dele. Outros, estão gravados no seu coração.

Muitas dessas criaturas, ele desenterrou do Belo Monte,
primeiro nome que a cidade de Canudos recebeu.
Sob essa inspiração, escreveu um livro que leio sempre emocionada.
 Estamos quase sempre na mesma sintonia!  Ele compreende tudo que não escrevo. Lê as minhas entrelinhas.
Amigos são pedras preciosas que a alma garimpa.  Por essa razão,  tão necessários são!


         Invenções  (De Marcos Quinan)


 "O que não te posso dar   
Em todas as horas de viver
Dou-te assim, no pensamento

O corpo de outras mulheres
Ainda me lembro, era o teu
A voz de todas elas

Eu sei que era a tua
O olhar, se as amei
Só poderia ser o teu


A ti pertence o pensamento
Deslembrando o tempo
E as vezes que morri

Antes de te reconhecer


Mando as horas pra frente
E te dou vivido, o que sou
E o que finjo e finjo tão bem

Que sou a mentira me crendo real
Em todas as horas de viver


Dos momentos antes de te conhecer
Até os instantes, os últimos que vou ter

Também te invento inteira
No meu pensamento
E te imagino minha e verdadeira
Para jamais esquecer
"

MQ


Marcos Quinan - Abaribó -
http://abaribo.blogspot.com/


Nas entrelinhas

Foto da web s/ autor
Para um amigo que escreve e sente
e ama
e pinta  Íris azuis...

Entre as palavras que escrevo
há intervalos de suspiros
há segredos e soluços
que a alma guarda
ou inventa.
E há abismos de solidão
nas entrelinhas.




sábado, 24 de outubro de 2009

Dançando em algum céu


O luar era tão claro e presente,
que quase se pegava
com a mão.
Então, do fundo do peito  nessas noites,
subiam sentimentos vagos, estranhos.
Um perfume de açucenas ou jasmins,
cantar de grilos, conversas na varanda.
Coisas antigas, distantes.

De repente, no jardim, podia acontecer
um lago, uma floresta, cachoeiras, duendes de papel,
bailarinas de algodão...
Um desabar de mistérios.

Hoje  tudo fica suspenso
no silêncio, esperando pelo nada.


terça-feira, 20 de outubro de 2009

João dos Sertões Guimarães Rosa




No dia 22 de novembro de 1967,
Carlos Drummond de Andrade  publicou no  Correio da Manhã, um poema para  João Guimarães Rosa. Fazia três dias que
o escritor  havia morrido.

Transcrevo aqui, algumas linhas desse poema.


Um chamado João

"João era fabulista?
fabuloso?
fábula?

Um estranho chamado João
para disfarçar, para  farçar
o que não ousamos compreender?

Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?

Guardava rios no bolso

E de cada gota redigia
nome, curva, fim
e no destinado geral.
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
do abracadabra, sésamo?

Ficamos sem saber o que era João
E se João existiu
de se pegar."


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sertão particular

 Fotografia da web

 
Inspirada em Guimarães Rosa, que trazia 
  sertões dentro de si.




Eu também trago sertões  dentro da alma. São os meus sertões particulares. Sei que você trazia os seus, Guimarães Rosa,  na massa do sangue.
São nossos sertões essenciais! E meu peito  vive encharcado do silêncio desses confins.  A alma,  se quero  encontrá-la, é lá, nessas clareiras abertas do sem fim.  Como nesses dias de chuvarão, de nuvens escuras e céu baixo, sufocante. É ali que eles se escondem, meus fantasmas!  Ali onde o tempo é pesado, denso.

Sonho com campos abertos sob céus azuis e leves. Mas o vapor que se desprende da terra, me traz de volta ao mundo real.  Respirar fica difícil e penoso.  Embota até o pensamento.  O tempo mofa,  disfarçado  embaixo de folhas.  Nesses descampados, úmido,  abafado,  só o esquecimento permanece.

Impossível  lembrar de  deslumbramentos.  Tudo cheira  a dias tristonhos.  Até a beleza, se existe, fica invisível,  encoberta. Esses vazios comem minhas entranhas. Engolem a minha alma.


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Inutilidades







Ouvir no parapeito da noite
o silêncio ensurdecedor das madrugadas.

Esperar nos anéis da  lua
uma tarde de amor que não virá

Conhecer a  infinita
solidão dos minerais 

Juntar  fragmentos
de um tempo que já se quebrou

Recuperar em cada amor
a magia do olhar que já passou


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

'Está chovendo na roseira'



A minha emoção hoje é o universo!
Quando soube que os telescópios espaciais da Nasa,
haviam feito uma nova e incrível descoberta,
fiz uma viagem interplanetária.
Minha imaginação fez passeios pelo espaço sideral. Mas mesmo com toda
boa vontade, não cheguei nem perto de compreender tal grandiosidade.

Que virtual nada, meus queridos!
A grande viagem hoje, é muito mais longa!
Percurso que só podemos realizar em nossa imaginação.

A novidade é um novo anel em volta do planeta Saturno.
E não se trata de só mais um anel, não. Essa gigantesca 'criatura'
se estende em uma circunferência a seis milhões
de quilômetros do planeta.
Essa distância já me causa angústia.
Ser tão pequena, me enche de sentimentos de insignificância.
E
, dizem os cientistas, dentro dele caberiam aninhados,
um bilhão de planetas iguais ao nosso.

São informações que podemos perfeitamente dispensar.
Hoje, por exemplo, estava pensando em escrever sobre as emoções
que deixo escondidas nas entrelinhas.
E
que podem ser apanhadas e interpretadas de outras formas.
Emoções que deixo livres, sem destino, à deriva,
sem lenço ou documento algum.

Confesso que vivo, a maior parte do tempo, sem nem
pensar nessas 'aberrações'.
Essas informações, mexem com os meus conteúdos.

E precisamos de tão pouco!
O barulho da chuva no telhado, o cheiro da terra molhada,
a água caindo, as florinhas tímidas que surgem encharcadas
nas manhãs, o sabor de um beijo ou um olhar profundo e quente,
é tudo que precisamos lembrar!


..."Precisamos apenas viver - sem nome,
nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como
os bois, as mangueiras e o ribeirão."

Trecho de Um sonho de simplicidade, de R. Braga

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Um poema pra García Lorca





Quando um poeta
parte

A vida escurece

Na sua morte
tudo anoitece





Federico García Lorca, foi o poeta espanhol
mais traduzido de todos os tempos.
Nasceu numa cidadezinha próxima a Granada, onde
viveu sua infância nunca esquecida.
García Lorca passou a vida a descrever aqueles anos.
Talvez ele tenha levado para a poesia, a música
que fora a sua primeira paixão.
De seus poemas salta um rítmo e uma sonoridade ímpares.
É quase possível cantá-los. A poesia dele é musical!
Não há como não perceber, lendo seus versos.


"Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas."

Federico García Lorca, desapareceu precocemente,
assassinado pela Guerra Civil Espanhola.


sábado, 26 de setembro de 2009

Impossíveis encontros

Tela de Wieland Gary

Para onde vão os que nos amam?
Que destino devora quem amamos?

Em suas impossíveis fugas, escalam montanhas
agarrados nas pedras do desespero.

E em agonia percorrem desfiladeiros intermináveis.

Há só um fogo que consome corpo e alma, e farpas e espinhos que arranham para sempre seus corações.

Submergem em águas turbulentas e hostis,
segurando a inútil solidão.

De onde se desprendem esses musgos tão antigos
que sufocam suas gargantas e as estrangulam?

Essas visões de rostos apagados e olhares sombrios,
são fantasmas que os assombram.

São pássaros torcidos, que não voam
e não sabem mais seguir caminhos.

Criaturas perdidas em ruas mortas
e noites escuras sem luas e estrelas.

Esses mortos, ainda vivos, precisam falar e não conseguem...


terça-feira, 15 de setembro de 2009

Canção quase conformada

Fotografia da web
No espelho do mar
em que me afogo
tudo é água e calma

O outro lado é sol e sal
e o fogo das horas
que me queima a alma

Não sobrevivo
morro de morte natural

domingo, 6 de setembro de 2009

Verdade partida


Tela de Wieland Gary

Se tudo aqui é verdade
o que importa
As verdades nunca são inteiras
E mentiras também podem
ser verdadeiras
Mentira ou verdade
Verdade ou mentira
Tudo faz parte!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

De uma ausência inventada


Tela de Henri Matisse


Sim, Vinicius, precisamos conjugar a ausência.
Precisamos do ausente, dizer do vazio que ficou.
É necessário que ele saiba das batalhas que travamos,
das guerras que perdemos, das casas que habitamos,
da poesia que dissemos e da longa espera
olhando para o longe, para o infinito distante.

Devemos lhe contar, com o olhar baixo e triste, dos amores
que perdemos. Porque essa é sempre a perda que mais dói.
É inevitável que ele saiba que as  flores murcham sem ele.
Que não há  jardim. Que outoniço sem a sua presença.
E, mais que tudo, é indispensável que ele saiba, que a escada que
nos levava para o céu partiu-se, e que um deserto instalou-se.

E entre admirada e atônita, como uma criança, acendo estrelas
para iluminar a sua volta.


"Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança."

Vinicius de Moraes em Conjugação da Ausente

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Quero mais...


Quando a saudade começa a cantar na minha janela,
já sei que o 'agora' está com vontade de ir morar
em outro canto qualquer.

É a hora dos pressentimentos. Pode ser só um palpite.
E um palpite infeliz.
Uma espécie de intuição, de presságio. Mais uma desconfiança...mas a dúvida já se instala. Ah...pressentir, que sensação desagradável!
Sentir antes, antecipadamente...


Não morar no 'agora', mesmo que por instantes, por tempo muito pequeno, inclui um certo desassossego,
uma certa inquietação. O 'agora' é o porto seguro (?)
aonde descanso minhas angústias e esperas.
O mar adentro de novo, me enche
de interrogações, de misteriosas incertezas.


Mas ficar é tão desalentador, tão fatigante, tão cansativo...
E quando o 'agora' acende a luzinha do alarme, sei que é hora de arrumar o barco para seguir a viagem.
Prefiro o não saber à resignação do agora já conhecido, de paisagens áridas e desertos de emoção.


Quero o verde de um mato molhado de sentimentos. Um tempo de delicadezas refloridas, do amor se redescobrindo, que ele é sempre o mesmo, querendo rebrotar em cada recomeço. Sempre trêmulo e poderoso, nos revelando a vida!


Quero mais...
Mais pessoa, mais alma, mais poesia!


E como diz a canção...

"Quero mais
Uma fatalidade, um jazz
Um raio me cortando, um gás
Me embriagando faz
Um terremoto em mim
Da guerra quero sim
Só aprender a paz

Quero sim
Me travestir de querubim
Me enxovalhar num botequim
Numa alegria enfim
Me abandonar em mim
Delírio sem ter fim
Eterno tanto faz

Para que eu não enlouqueça
Me rouba a razão
Para que eu não adoeça
Me mata de paixão
O amor é ópio coração
Quero insana, mais uma ilusão."


Angela Ro Ro e Ana Terra

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"A insustentável leveza do ser"

Tela de Bouguereau

"Minha vida aportou aqui sem dizer
que ia ficar,

tal como a canoa do pescador
que pára junto
a uma pedra,
sem
saber se é por meia hora ou pelo dia inteiro.
Entendo que é apenas mais uma estação, nesta viagem
em
demanda de coisa alguma."

Rubem Braga


S
eria bom se estivéssemos sempre prontos para partir.
Com a bagagem reduzida, para que atrapalhasse o mínimo possível.
Com os adeuses em dia, sem mágoas guardadas, nem amores reprimidos.
Livres de ranços passados, de sentimentos não resolvidos.
Seria bom! Partiríamos calmos, mansos, apaziguados com nós mesmos.

Partiríamos sem pensar em lugares não visitados,
em livros não lidos,
nos papéis guardados, que não serviram para nada,
em telefonemas que não demos, no amigo que não apertamos
num abraço cheio de calor e agradecimento.

Partiríamos livres e soltos e leves e conformados.
Pois que não houve palavra alguma que não foi escrita ou pronunciada.
Nenhuma emoção escondida, nenhum pensamento ignorado.
Erguemos diante do mar de nossa existência, todas as possibilidades.

Só assim é possível partir!
Só dessa forma não nos agarraríamos nas pedras que pensávamos
que segurassem nossas casas e amarrassem nossas asas e almas.
Nossas moradas são frágeis e efêmeras.
Tudo à nossa volta é feito de brisa.

E já transformados em éter, precisaríamos apenas
de um vento suave e doce.
Partiríamos embalados por canções e o ruído familiar do farfalhar
de folhas, como se fossem ainda em nossos quintais.

E
na essência de nós, a certeza de uma palavra preciosa,
de gestos puros de carinho!
Levando, na memória da vida, só os amores
que amamos com tanta ternura!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

No suave silêncio de agosto

Tela de Georges François Laugée
Este agosto que me cobre de silêncio
tem gosto de desejos pendurados
no varal do esquecimento.
Me lembra campos molhados
de venturas e emoções passadas.
E arrepia minha alma
quando faz soprar em mim
os ventos de outra vez.
Faço tudo devagar
pra não quebrar o momento.

Este agosto me faz sonhar.
Imagino coisas de olhos abertos.

Este agosto tem perfume,
cheiro bom de sentir!
E a boca fica calada, se aquieta.
Estou só querendo ouvir.

Falo pouco, olho pro lado indiferente
e desconfio da realidade.

Que este agosto me sabe trazer felicidade!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O anjo de Rilke


O Anjo
 
"Com um mover da fronte ele descarta
tudo o que obriga, tudo o que coarta,
pois em seu coração, quando ela o adentra,

a eterne Vinda os círculos concentra.
,
O céu com muitas formas Ihe aparece
e cada qual demanda: vem, conhece -
Não dês às suas mãos ligeiras nem
um só fardo; pois ele, à noite, vem

  
à tua casa conferir teu peso,
cheio de ira, e com a mão mais dura,
como se fosses sua criatura,
te arranca do teu molde com desprezo.

Rainer Maria Rilke


Eu quero um anjo assim
como o de Rilke
Um anjo quase humano
Que se materialize
em anjo-homem
Que de vez em quando
quebre a asa e a alma
Um anjo com vaidades
Cheio de virtudes e pecados
e às vezes meio malvado
De quem a gente tem pena
e precisa perdoar
Eu quero um anjo assim
Para poder me espelhar...


quinta-feira, 30 de julho de 2009

Na luz de um luar dormente

Tela de Vincent Van Gogh

Por uma fresta da rua
ainda há loucos
que espreitam
atrás de árvores
com medo da vida
Eu sigo impávida
sabendo que viver
é só um sopro
um nada
Já não temo
os atalhos
as encruzilhadas
as longas tristezas
as decepções
da estrada
Sei que tudo acaba
numa esquina
na virada

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Outras luzes

"A tua estrada pode estar perfeita e brilhante;
falta-lhe a lama dos humildes caminhos
noturnos por onde ainda não passastes."

Rubem Braga
Foto da web s/ autor

Não é da luz que entra
pelo vão da janela, que eu preciso.
Com ela só posso ver o exterior.
Muito pouco, para quem necessita
ver a alma!
Preciso de outras luzes.
Claras, imensas,
que provoquem uma
quase 'cegueira momentânea'.
Luzes que me façam olhar
só para dentro.
Que iluminem minha alma!


S
em isso, fico vagando sem destino,
sem saber quem sou,
sentindo apenas solidão e tristeza.
Preciso do ar que as emoções me trazem.
Respiro através delas!

Sei que é longo e árduo o caminho.
E preciso de toda doçura que encontrar.
Sei, acima de tudo, que navegamos com destino ignorado.
Não sabemos aonde atracar
ou de que longínquos mares viemos.
Não conhecemos o próximo cais.
Preciso da ternura dos ventos, da mansidão das ondas.
Minha frágil embarcação, sucumbe
diante de grandes tempestades.

E preciso de um porto para poder, de vez em quando,
amarrar meu imenso cansaço e aflição.

Porque navego sempre, segurando a alma pela mão!


sexta-feira, 3 de julho de 2009

Estranho bicho

Fotografia da web (autor desconhecido)
Vou trocando a casca
e por dentro tudo.
Sou mutante.
Me transformo em bicho,
em estranho homem.

Habito desertos e mistérios
rios e mares e montanhas.

Desenho caminhos na areia,
me desfaço, me invento

Sou mutante!
E como se nunca fora,
vivo
cada instante


sábado, 27 de junho de 2009

Um dia, um mago...



Era um
feitiço danado.
Ele chegou disfarçado, devagarinho,
com aquele nariz curvado, mexendo no caldeirão aquelas poções mágicas...pura bruxaria!

Tudo nele era contrário
às leis naturais!
Tudo surreal!
Mas era também encanto...
E assim, de mãos dadas com os anjos e
demônios,
foi me seduzindo, me envolvendo.

Daquele caldeirão, saíam muitas maldades, que ele rápidamente entremeava com uma doçura e uma delicadeza extremas. 
Os demônios têm seus truques.

De vez em quando, ele fazia a lua descer à minha sala! E quando isso acontecia, em noites mágicas, eu me aproximava da imensa panela que fumegava. E se chegasse à beira, sem cuidado, podia ver as estrelas brilhando no fundo de nossas almas!

Esse mago se deliciava observando a minha admiração. Eu nada entendia desses artifícios!
 
Um dia eu descobri que as estrelas e luas
vinham de dentro de mim!


terça-feira, 23 de junho de 2009

Canção do que resta


Ele nasceu verde
e delicado.
Um esbelto e pequeno tronco.
Por dentro, era só vontade
de ser livre, de ficar balançando
ao vento, bebendo a água
mansa da chuva
e ouvindo o murmúrio
dos regatos.
Por dentro, era só coragem
e ousadia.

Mas a
vida lhe foi cobrindo com uma casca
escura e dura.
Restaram apenas algumas estrias
verdes de
esperança!



"Yo pertenezco a la fecundidad
y creceré mientras crecen las vidas:
soy joven con la juventud del agua,
soy lento con la lentitud del tiempo,
soy puro con la pureza del aire,
oscuro con el vino de la noche
y sólo estaré inmóvil cuando sea
tan mineral que no vea ni escuche,
ni participe en lo que nace y crece."

Pablo Neruda

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Canção da fé

Fotografia do filme O Leitor

Eu só acredito
na vida
no coração que bate
no sangue quente
na dura lida

Sei que é verdadeiro
o ar que entra nos pulmões
e impulsiona a vida

só isso me demove

Mas ponho fé no amor
que levo no coração

E na emoção do teu olhar
quando me olhas

O resto
é pura especulação




segunda-feira, 15 de junho de 2009

De palavras e vôos

Fotografia da web, sem autor

"As palavras aí estão,
uma por uma: porém minha
alma sabe mais."

Cecília Meireles

Mas a vida me convoca
me atiça, não me solta
por detrás de alguma esquina
o mal me espreita
me estrangula, me sufoca

A  palavra não me salva

O tempo é só maresia
corrói vida e coração
me joga na ventania

Na alma então
não falta nenhuma chaga
há séculos de solidão

em vão

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Uma luz para poder chegar


Não meu caro Rubem, ele não era o farol da Ilha Rasa. Era outro mais distante e remoto farol.
Tão necessário como tantos, pra gente poder chegar!

Mas porque lembrar dessas
coisas já tão passadas?
Porque entristecer o coração
com lembranças tardias?

Ainda hoje ele brilha nas noites escuras da minha memória.
Fica acendendo e apagando aquelas luzes
para me lembrar de um encontro perdido.

Sim...eu nunca fui, meu doce e distante amado!
Deixei se escoar como tanta coisa tenho deixado
ao longo da minha vida.

Escolhi fazer você ficar encantado.
Para sempre guardado no meu coração!


"Procura-se junto às estátuas
e na areia
da praia, e na noite de chuva
e na manhã
encharcada de luz,
procura-se com as mãos,
os olhos e o coração...
Procura-se, e talvez não
se queira achar."

Rubem Braga

terça-feira, 2 de junho de 2009

Canção sem pudor

Fotografia de guilherme Santos

Guardei os teus beijos
por puro guardar
pra lembrar

Depois
fui colecionando
abraços
afagos
olhares

E nesse afã
até o gosto guardei
de certas manhãs

Guardei até os trejeitos

Na pele
sinto ainda
arrepios
rubores no rosto
odores
guardei a voz
os suspiros
guardei teu doce sorriso

Os beijos
foi só pra tê-los
no anoitecer dos desejos


"Eu já arranhei minha garganta toda
atrás de alguma paz
agora, nada de machado e sândalo
eu já estou sã da loucura
que havia em sermos nós."

Caetano Veloso


sexta-feira, 29 de maio de 2009

Ao vento...

Fotografia de Bruno Silva "Abstração do Silêncio"












Escrever
o suficiente 

Melhor
ser só reticente

Só suspirar
não falar

E enterrar a alma
no duro chão
do silêncio

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A felicidade é como a pluma...não consegue pousar

"Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía
Toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via..."

Chico Buarque


Sonhava, quando menina,
com mundos mágicos,
onde ser feliz era uma lei!
E os sonhos brotavam do chão
como morangos maduros, prontos para serem colhidos!

Tudo era tão possível e tão ao alcance das mãos, que
bastava respirar fundo para que a felicidade surgisse
e inundasse a vida, iluminasse todos os desejos!
Com o tempo fui aprendendo sobre as ilusões.
Nada sabia delas. foi um longo aprendizado.
Aos poucos e tristemente, fui compreendendo
que não bastava querer loucamente,
era preciso fazer acontecer.

Descobri que não possuia 'super poderes'!
A vida tinha de querer junto comigo.
Mas ela quase nunca queria no mesmo momento.

Muito depois, ela trazia, numa bandeja enfeitada
de flores e perfumada, o meu desejo antigo e tão
ardentemente esperado!

Muito tarde... e a vida, descobria eu, nunca é boazinha.
Ela é uma moça cheia de caprichos e 'birras'.
Ela se dá, mas só depois de percorrer muitos caminhos.
Depois de se esconder e se fazer de sonsa e se valer de
subterfúgios e nos dizer 'talvez', muitos 'talvez'!
Estranha e 'manhosa'. Evasiva, cheia de ardis.
Dissimulada é a vida!

E quando percebe que enfim desistimos, vem correndo
com o nosso sonho e o joga em nosso caminho.

Mas já é outro instante, outro sonho, outro desejo!
Então, muito desapontados, tomamos aquilo
que perseguimos há um tempo atrás, com tanto
interesse e paixão, e não sabemos o que fazer com ele,
onde o colocamos.

E como um inútil e desbotado objeto, o levamos para
a nossa imensa galeria de encontrados e perdidos.
O depositamos com cuidado, em uma prateleira, e
lá o deixamos para sempre!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Quem segura (sem medo) a emoção




"Quem acorda de madrugada e estremece
de desgosto ao lembrar que
há muitos anos feriu a quem amava

Quem se detém no caminho para
ver melhor a flor silvestre
e procura na cidade os traços da
cidade que passou
Quem se lembra todos os dias do amigo mortoQuem entra em delicado transe diante
dos velhos troncos, dos musgos e dos líquens
Quem procura decifrar no desenho da madeira
o hieróglifo da existência...
Todos eles são presidiários da ternura e andarão
por toda a parte acorrentados, atados aos
pequenos amores da armadilha terrestre."

Paulo Mendes Campos
Um véu de água
me escorre na lembrança

Sou um mural
de imagens e vozes

mergulhadas na umidade
do temporefletidas na transparência
das pedras

Transmudo tudo:

Sinto a doçura no mar
 e amargo gosto no mel
 

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Lulih

Essa é uma carta de Lulih! Uma pequena e singela carta!
Mas ela escreve com o coração grande que tem, que adivinho!
Porque só conheço Lulih de lê-la!
E tudo é sempre de uma leveza e beleza que me tocam!
E hoje 'roubei' um texto dela para ficar para sempre no meu blog!
Lulih, obrigada por você se parecer tanto com quem a imagino!!

"Deus, não espero que a esta carta o senhor responda formalmente, já que não me respondeu a tantas outras. Mas espero por um sinal. Se o senhor se aborrecer, pode responder com um temporal que arranque as telhas da minha casa, por exemplo. Antes assim do que me deixar pensando que para o senhor eu sou apenas uma bolha n´água.
Estou lhe escrevendo para dizer que acho que o senhor dorme, sim. Ao contrário do que dizem os pára-choques dos caminhões, que Deus não dorme. E acho inclusive que o senhor anda dormindo de touca, perdendo a boca e fugindo da briga, senão como é possível explicar essa vida tão torta?

Eu sou um cara simples, que até pra escrever precisa da ajuda dos poetas, de quem vive tomando versos por empréstimo. E pra não parecer leviano poderia enumerar razões para a
certeza de que o senhor dorme, mas esta é tão grave que deve ser suficiente... olha: João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
Percebe o tamanho do desencontro? É a maior das catástrofes humanas. Se Lúcifer tivesse vencido a revolução contra o senhor, talvez tivesse administrado as coisas de modo mais simples: João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim e Lili se amariam uns aos outros, e viveriam em recíproca e constante entrega de seus corpos e almas, sem que isso representasse uma vergonha. E seriam todos felizes. Não vamos nos enganar.... Lúcifer é um libertário!.
Eu não queria parecer vago nem obtuso, mas o mundo sob o seu comando anda muito paradoxal. Em quem eu devo acreditar enquanto o senhor dorme? No sujeito que disse que existe muito mais inferno entre o céu e a filosofia do que possa supor meu vão mistério? Em que eu devo pensar enquanto espero providências: no poder de olfação dos gnus? Na migração sazonal das borboletas amarelas?
Lili continua sem amar ninguém, e eu me despeço sem pedir desculpas, porque não sou do tipo que morre de medo quando o pau quebra, embora haja quem diga que eu não sei de nada e que eu não sou de nada. Assino embaixo tudo o que disse. As outras dúvidas que possuo ficam para a próxima carta, que o senhor poderá ler quando acordar. Se..."
Do blog 'Ave, Palavra!' de Lulih Rojanski
http://www.blogluli.blogspot.com/