sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

'Alguma coisa acontece no meu coração'

A 'Casa das Rosas' foi projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo, no final da década de 20, e fica na Avenida Paulista no número 37. Recebeu esse nome porque possuia um dos mais belos
jardins de rosas da cidade. Hoje se tornou o espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.

A casa abriga a primeira biblioteca do país, especializada
em poesia. Não venho a São Paulo,
sem visitá-la. Adoro essa casa!

Quando estou em Sampa, amo estar em Sampa! Porque sempre dou a volta em torno. Olho além da cidade, vejo o lado bom. Insisto em só enxergar o belo. E como tudo aqui é em grande quantidade, há muita beleza para ver!

De São Paulo pego o bonito e o bom. O resto prefiro não ver! Foram décadas e décadas de descaso. As elites, donas do poder e do dinheiro fazendo de conta que um abismo não se abria entre a riqueza e pobreza. Décadas de indiferença! De insensibilidade! De burrice! É como dizem - 'se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem'.

Vejo isso aqui, vejo no Rio e em todo o resto. Essa é a realidade do Brasil. Para um território e uma economia como a nossa, uma das piores distribuições de renda! Nossos governantes não se interessaram em dar educação de qualidade para seus cidadãos. E continuam a não se interessar! Deixaram uma periferia à margem de tudo.

E hoje isso explode em nossos 'quintais'! Pagamos o imenso preço do nosso silêncio! Sim, fomos e somos coniventes. Cada vez que nos silenciamos, concordamos com todas as injustiças, todos os desmandos, toda a safadeza, toda a corrupção. Quando fechamos os olhos, deixamos que todos esses políticos sem escrúpulos, trabalhem em causa própria e defendam os interesses de quem coloca algum tipo de poder nas mãos deles.

Mas eu só queria falar de São Paulo e da minha temporada por aqui. E nesse verão e nas árvores e jardins e sombras deliciosas e flores perfumadas! Nas galerias de arte e nos teatros e nas livrarias e nos excelentes restaurantes!


O mar não está aqui para tirar nossa atenção. Não andamos olhando para o alto, para as montanhas...não mergulhamos em sonhos e poesia!

São Paulo é o pé no chão. É o olhar para dentro. É o ficar mais perto de nós. São Paulo é a introspecção.


É só a poesia concreta de suas esquinas...

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Eu quero matar a saudade







"Quanto riso oh quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando
Pelo amor da colombina
No meio da multidão

Foi bom te ver outra vez
Está fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou e te beijou meu amor

Na mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade

Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval"

ZÉ KETI

Quem é você...


"Quem é você?
Adivinhe, se gosta de mim

Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

Quem é você, diga logo
Que eu quero saber o seu jogo
Que eu quero morrer no seu bloco
Que eu quero me arder no seu fogo

Eu sou seresteiro
Poeta e cantor

O meu tempo inteiro
Só zombo do amor
Eu tenho um pandeiro
Só quero um violão
Eu nado em dinheiro
Não tenho um tostão

Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar

Eu, modéstia à parte
Nasci pra sambar

Eu sou tão menina
Meu tempo passou
Eu sou Colombina
Eu sou Pierrot

Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você

Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer

O que você pedir
Eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser"

CHICO BUARQUE

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Sombra, alma e vento



Há coisas ruins acontecendo enquanto eu insisto em falar de flores! Gosto de jogá-las no colo dos meus amigos! Gosto de espalhá-las por este blog! Eu e essa minha mania eterna de me cercar de beleza! Mas qualquer dia desses ainda sacudo o tapete. Vou escrever sobre as coisas feias! Vou falar de políticos e guerras e violência e sentimentos ruins e mesquinhos e até de desamor eu vou falar.

Mas hoje não! Não há a menor vontade de escrever sobre esses temas! Hoje o dia amanheceu claro e radiante! O céu estava muito azul e o sol brilhava no mar! Troquei palavras de carinho e sorrisos! Andei por uma alameda de frondosas amendoeiras! Como posso não estar inundada de beleza! E na minha lembrança ainda dançam as cores de umas 'florinhas' mimosas e lindas que vi espalhadas por um canteiro!

Há coisas que a gente gosta e pronto! É de graça! É sentimento bom, que só dá prazer e alegria! Assim eu gosto do Rio! Do seu calor, dos seus dias de sol, dos seus dias de chuva! Gosto do Rio, mesmo quando está zangado ou de mal humor. E que cidade mais cheia de contrastes e de idiossincrasias! Tão impulsiva e passional! Tão extrovertida e expontânea e verdadeira!
"Rio que mora no mar
Sorrio pro meu Rio
Que tem no seu mar
Lindas flores que nascem morenas
Em jardins de sol"
Tenho sempre a impressão que Ele foi se ajeitando entre seus morros e águas. Improvisando em meio à essa variedade quase interminável, de acidentes geográficos! Se derramando entre baías e enseadas e lagoas e penínsulas e praias de areias brancas e mar verde e azul e transparente!
"Rio, serras de veludo
Sorrio pro meu Rio
Que sorri de tudo"
Cidade de formas assimétricas e adocicadas. E o cheiro da miséria que mal se disfarça, se confunde com o cheiro do mangue! Até a pobreza se encaixa em suas entranhas. E tudo se mistura, se democratiza, se deixa envolver pelo seu charme!
"Que é dourado quase todo dia
E alegre como a luz"
Ah! os teus poetas são tantos e tão queridos, que se perdem por tuas ruas! Tuas ressacas! Fluxo e refluxo! Tuas Copacabanas de inconstância! Ipanemas de versatilidade! Tuas Barras de volubilidade! Rio, onde os próprios deuses são pagãos! Rio de abstrações! Incrédulo! Incorrigível! Rio de perplexidades!
"Rio é mar, eterno se fazer amar
O meu Rio é lua
Amiga branca e nua"
Cidade que se despe mais do que se cobre. Sem pudor ou mal-estar. Paulo Mendes Campos escreveu em uma de suas crônicas, que um dia leu a palavra 'echecall' da língua asteca, e que ela significava 'sombra, alma e vento'. Pois lhe peço ela emprestada hoje, querido escritor! Peço emprestada para definir essa cidade de encantos e espantos mil! São três coisas que não se pode descrever nem tocar, apenas sentir!
"É sol, é sal, é sul
São mãos se descobrindo em todo azul
Por isso é que meu Rio da mulher beleza
Acaba num instante com qualquer tristeza
Meu Rio que não dorme porque não se cansa
Meu Rio que balança"
Música de Menescal e Bôscoli 


sábado, 14 de fevereiro de 2009

Valentine de Lorenz Hart



A beleza do trompete de Chet Baker!
Todos os ouvidos do mundo precisam escutar Chet Baker.
Pelo menos uma vez na vida!
Umazinha!

E hoje no meu blog é dia de Chet Baker!
É dia de seu trompete!
É dia de Valentine!!

É dia de cantar o eterno amado
encontrado
e perdido
e reencontrado

Porque o amor tem muitas faces!

E o amado é assim como
as estrelas
que estendemos a mão e não tocamos
Inatingível
tão alto o colocamos!

Hoje é dia de cantar o homem amado
o que chegará
iluminado com as cores
do infinito!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Marly e as estrelas


E a minha amiga me escreve falando sobre o alinhamento Aquariano.
Quem sou eu para contestá-la?? Ela fala com os astros, dialoga com estrelas...
Entende as constelações, decifra o tarô...

E diz: no alvorecer do dia 14 de fevereiro, dia dedicado à São Valentim, nos Estados Unidos e Europa, ( O Valentine´s Day, patrono e santo do amor ) a lua em Libra entra na sétima casa dos relacionamentos. Júpiter e Marte estarão alinhados no signo de Aquarius, na décima segunda casa da transformação espiritual.

Minha tão querida amiga, nada entendo disso. Mas ponho sempre fé no que você fala!

”No alvorecer do dia 14 de fevereiro, o Cosmos realmente vai personificar este perfeito alinhamento que irá apoiar nossa manifestação coletiva de Amor e Paz, na era de Aquarius.”

E ela vai além: “O mapa astral do dia 14/fev , revela uma incrível concentração de influências cósmicas combinadas com as energias de Aquarius na décima segunda casa. Júpiter, o planeta da expansão, e Marte, o planeta da energia estarão alinhados com um objetivo muito elevado.”

Que assim seja, querida!!

"A Lua em Libra na sétima casa enfatiza o início de relacionamentos harmoniosos.
Venus em Áries na primeira casa energiza e dá Poder à co-criatividade
e ao dinamismo."

Eis aí, segundo a minha querida amiga, um incrível evento Cósmico: O ALVORECER DA ERA DE AQUARIUS, conforme cantado há 40 anos!


E a minha amiga, que também é psicóloga e poeta, de quem até já fiz um jardim,

e possuidora do terraço com a vista mais linda da lua e deste nosso maravilhoso

Rio de Janeiro, não pode estar enganada!!


Postamo-nos todos então, circunflexos e solenes, aguardando a nova era!!

Que venha tudo que há de bom no Universo!

Que nosso planeta receba essa energia e a luz penetre a cabeça e o coração dos Homens!

Que a Humanidade se torne mais sábia!

Mais Paz! Mais, muito mais amor!!


"When the Moon is in the seventh house

and Jupiter aligns with Mars.

Then peace will guide the planets

and love will steer the stars "


" Quando a Lua estiver na sétima casa

e Jupiter se alinhar com Marte,

Então a PAZ guiará os planetas

e o Amor varrerá as estrelas"

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Procura-se












E quando abro o cartão, lindo cartãozinho confeccionado na Itália, lembro bem, é um convite. E dentro as palavras : ‘Buon Dio, fai che la grazia divina scenda su me e tutti i miei cari.’ E dele me veio um forte perfume da infância! Um ‘ricordo della prima comunione di Laila Puccinelli.’ E tanta coisa me veio à lembrança. A amiga que está não sei aonde, talvez tenha voltado à Itália – Gênova – e que a vida     acabou nos separando.
Mas fomos amigas. Muito amigas em nosso tempo de meninas e brincadeiras! E aquilo que parecia durar para sempre, voou, passou rápido demais. E não sabíamos em nossa ingênua felicidade, que esses momentos que pareciam eternos, mas na verdade eram efêmeros e fugazes, nunca mais voltariam.

E aqui me surpreendo a pensar em você, doce e querida amiga! E lembro de uma crônica de Rubem Braga, onde ele diz ‘...e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.' e mais adiante ainda diz uma das coisas mais líricas que já li ( ele era o máximo e povoou minha vida com as imagens que criou ) 'eu hoje não me sinto um homem, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico.’

Não sei aonde você está...Talvez só a encontre dentro das minhas lembranças, na minha infância perdida. Vou guardá-la de novo! Vou levar seu pequeno e lindo cartão para a gaveta dos meus guardados e recordações.

Mas queria muito que de alguma distante cidade, você sentisse a minha presença.  E soubesse que para sempre estará guardada em meu coração!


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

De novo a flor...


Se acostumar com alguma coisa... Huummm... Não conheço nada mais reacionário que isso! ' Se acostumar' me faz pensar em coisa parada, estática, como água apodrecendo estagnada, sem poder correr, respirar, se oxigenar!

A facilidade nos embota a alma. Nos amarra ao chão. Nos cega. Perdemos os sentidos todos. Ficamos burros, não sentimos mais os sabores, não enxergamos as cores, não ouvimos os sons como eles são de verdade e toda a superfície em que passamos a mão tem a mesma textura, o mesmo relevo, a mesma temperatura.

É, burros de corpo e alma! Vivemos, mas do mesmo jeito sempre. Todos os dias passam a ser os mesmos enfadonhos dias. Tudo sabido, tudo esperado, tudo adivinhado. A vida é a mesma... Insípida, inodora e incolor! Ela se transforma em tudo o que não é para ser!

Nascemos para o novo, o inesperado, para o que nos faz esquecer que vamos partir. Para o que só nos lembra chegadas!

A vida sem isso se extingue rapidamente! A mesmice nos mata. Ainda bem que um dia acordamos estremecidos no desgosto de nós mesmos. Deixamos de ser anjos ineficazes a bater asas no vazio. E descobrimos que o essencial é renascer! Que o mais importante é nascer desse torpor, uma segunda vez!

Acordamos um belo dia, finalmente, mais distraídos e ateus. Já não somos o antigo em nós! Somos o novo que nasce e corre para ver o mundo de outro jeito.

E quem como nós, não se acanha de encontrar a poesia, de abrir as portas da emoção, de estender os braços para os amigos verdadeiros, de se dar, de entender de repente, a linguagem de novos sentimentos, de conversar com flores e estrelas e luares e sonhar acordado com a beleza da vida, novamente inaugurada, então sim, pode se juntar a nós numa grande e fraternal corrente. Somos todos os escolhidos, os reféns da ternura, para sempre presos à esses pequenos/grandes amores que a vida põe à nossa frente, em nosso caminho!


"Ser totalmente 'normal' é insuportavelmente fastidioso, um inferno de esterilidade e de desespero."

Carl Gustav Jung

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

À janela



O amigo distante vive longe
Perdido na bruma
Desse mundo virtual...

Não lhe conheço o olhar
Não sinto o calor do abraço
Ele não sabe a minha voz!

Das nossas presenças
Não adivinhamos a doçura

Vivemos longe onde
Moram montanhas azuis

Atrás dos potes de ouro
Dos arco-íris no fim

Ouvimos música é certo
Mas ela é doce e triste e irreal

Só a imagem carregamos
para encher nossas ausências!

E de concreto só temos
a palavra e a poesia...

Jac.


prelúdio

- à amiga distante -

"imagino-te em vestido solto
sentada numa poltrona
de meias grossas
e pés na janela
num fim de tarde frio
bebendo poesia e vinho

imagino na tua pele
tons de manhãs
e olhos orvalhados
em pertencimento
e um momento de fingido pudor
quando um verso
se aninha em teu colo
e uma gota de vinho
mancha o tecido
que te emoldura o ventre

falamos de nava...
te ouço em palavras
e canto poemas antigos
- meus versos de procura -
carregando a angustia

imagino tua embriaguez
e também bebo saudade
nas palavras sem sujeição
que espalhas por veredas
- é tua alma na minha –
em atos de amor e desejos

na esquina nova do mundo
a distancia da tua presença
toca com ternura minha emoção
para compartilhar palavras
e a intensidade dos poetas
transgressores, loucos sãos

ouço villa lobos
lembro ovalle e vinícius
e sinto saudades...
quando entrego à amiga
por dito de gesto simples
esse um tipo de amor"

Marcos Quinan

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A luz, o sal e a água



A minha estante de livros é uma festa! Bom, pelo menos para mim. Encontro ali, contos, biografias, ensaios, tratados sobre política, as guerras, poesias, as verdades e mentiras que já foram contadas sobre a história do mundo, as crônicas, clássicos e épicos e por aí vai. Uma delícia para quem gosta de 'ouvir' e estar por perto de homens e mulheres que pensam, que têm idéias!

Longe de livros e música e arte, murcho aos poucos, sinto o ar rarefeito, tenho dificuldade para dormir e quase não encontro razão maior para existir!
Mas há uma coisa que pode substituir a falta de tudo isso. É a natureza!

Nada no mundo me fascina tanto como a proximidade do mar, o encontro com o mato, com o cheiro de terra molhada, barulho de chuva nas plantas, trovões, rio de pedras no fundo, sol brilhando na água... Enfim, infinitas coisas que acontecem gratuitamente, simplesmente, e que a maior parte das pessoas não se dá conta.

E hoje me caiu nas mãos um poema do Vinicius de Moraes, que alguns chamam carinhosamente de "poetinha", mas que ele sempre soube que era o jeito mais carinhoso e íntimo que tínhamos para chamá-lo! E ele também gostava dos diminutivos, dessa maneira especial de tocarmos o outro!

Não, não há poeta igual a Vinicius! Nenhum igual! Com tão grande lirismo! E eu gosto de tantos! Gosto de todos os que eu gosto! Sim, eu sei que é redundância, mas foi isso mesmo que quis dizer!

E o que eu mais quero colocar aqui, é o teu 'Pátria minha', Vinicius!
E estou inteiramente feliz!

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei

Como, por que e quando a minha pátria

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa

Em longas lágrimas amargas.


Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... 
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos

E sem meias pátria minha

Tão pobrinha!


Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento

Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento

De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé

Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira

E sem pé-direito.


Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra

E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz

À espera de ver surgir a Cruz do Sul

Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada

O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo

Vi minha humilde morte cara a cara

Rasguei poemas, mulheres, horizontes

Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem

Um 'libertas quae sera tamem'
Que um dia traduzi num exame escrito:

"Liberta que serás também"

E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha

Atento à fome em tuas entranhas

E ao batuque em teu coração.


Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és

Uma ilha de ternura: a Ilha

Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:

"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.


Na areia


Tudo ficou tão velho e já antigo


Que nem sei por onde começar


Ou continuar...


Mesmo querendo



E às vezes releio, te visito


Tento catar emoção


Em meio aos cacos de vidro!




Que gostar é estranho


E quase sempre sem sentido!


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Um Poeta...

É bom escrever sobre quem gosto! As palavras saem fácil, leves e soltas. Na verdade, elas saltam felizes, com vontade de ganhar rápido um espaço no papel, de ganharem vida, existirem por um momento no dia-a-dia de alguém! E eu gosto dos poetas! Principalmente, amo a alma dos poetas!

Li e fiquei fascinada com a idéia, que deus no oitavo dia criou os poetas! E os loucos! Claro, se ele trabalhou por seis dias e descansou no sétimo, nada mais sensato que ele depois desse repouso, tranquilo e inspirador, criasse essas criaturas que enfeitam a vida e dão significado à existência!

Os fortes relogios
dão razão à hora cindida, roucos.

Tu, presa nas tuas profundezas, somes de ti
para sempre."
A poesia, nasce sempre de emoções, e quando ela surge, vinda de sofrimentos mais profundos, é uma afirmação de humanidade muito grande e uma expressão de beleza imensa!

Pois Paul Celan, poeta de língua alemã, nascido na Romênia, conheceu o terror da guerra, da intolerância dos homens, do desamor do mundo! Celan foi um sobrevivente dos campos de concentração. Ele consegue fugir, mas seus pais morrem sob a irracionalidade nazista. Li, certa vez, que depois de um campo de extermínio, não é - ou pelo menos não poderia ser - possível escrever poesia.

Mas Paul Celan fez poesia e é hoje considerado um dos mais importantes poetas modernos, do pós guerra. E em suas palavras, na delicadeza imensa de suas emoções, percebemos que a beleza e os sentimentos podem abrandar a violência e a estupidez dos homens. Ele nos mostra, de forma comovente, que é possível sim fazer poesia! Que são palavras e emoções que limam a ignorância do mundo!

É interessante a observação que li sobre a relação dos escritores e seus textos. 'Em que medida a vida real de um poeta, importa para o poema?' E no instante seguinte já responde 'temos que reconhecer que a vida de um poeta também recebe as marcas de seus poemas: ela é habitada por eles!' Particularmente, penso que elas se misturam, vida e palavras e poesia e arte. São estreitamente ligadas! Inseparáveis!

"Quem arranca do peito seu coração para a noite, deseja a rosa.
São seus a folha e o espinho,

sapara ele ela põe a luz no prato,
para ele ela enche os copos com sopro, para ele murmuram as sombras do amor.

Quem arranca do peito seu coração para a noite e o atira alto:
não erra o alvo
apedreja a pedra, a ele bate o sangue do relógio,
para ele sua hora soa o tempo na mão..."
Os poetas conhecem melhor as dores do mundo e suas contradições. Os poetas conhecem mais do bem e do mal do que qualquer tese de todos os filósofos.
Os poetas conhecem com o coração e a emoção!

Mas num dia, em que sentia mais profundamente a hostilidade do mundo, Paul Celan suicidou-se nas águas do Sena. Levou sua vida, mas deixou a sua poesia! E a humanidade não sobrevive sem poesia e beleza. Seria muito cruel e escura e triste a existência!

Paul Celan também duvidou da legitimidade e da possibilidade de escrever poesia depois de Auschwitz. Mas fez dessa dor lancinante e da própria dilaceração, a essência de seu altíssimo e quase impenetrável lirismo.

Celan saltou do abismo de sua dor para a luz!

"Da mão o outono me come sua folha: somos amigos.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:

o tempo retorna à casca.
No espelho é domingo,
no sonho se dorme,
a boca não mente.
Meu olho desce ao sexo da amada:
olhamo-nos,

dizemo-nos o obscuro,
amamo-nos como ópio e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no raio sangrento da lua.
Entrelaçados à janela, olham-nos da rua:
já é tempo de saber!

Tempo da pedra dispor-se a florescer,

de um coração palpitar pelo inquieto,
É tempo do tempo ser.. É tempo."