sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A luz, o sal e a água



A minha estante de livros é uma festa! Bom, pelo menos para mim. Encontro ali, contos, biografias, ensaios, tratados sobre política, as guerras, poesias, as verdades e mentiras que já foram contadas sobre a história do mundo, as crônicas, clássicos e épicos e por aí vai. Uma delícia para quem gosta de 'ouvir' e estar por perto de homens e mulheres que pensam, que têm idéias!

Longe de livros e música e arte, murcho aos poucos, sinto o ar rarefeito, tenho dificuldade para dormir e quase não encontro razão maior para existir!
Mas há uma coisa que pode substituir a falta de tudo isso. É a natureza!

Nada no mundo me fascina tanto como a proximidade do mar, o encontro com o mato, com o cheiro de terra molhada, barulho de chuva nas plantas, trovões, rio de pedras no fundo, sol brilhando na água... Enfim, infinitas coisas que acontecem gratuitamente, simplesmente, e que a maior parte das pessoas não se dá conta.

E hoje me caiu nas mãos um poema do Vinicius de Moraes, que alguns chamam carinhosamente de "poetinha", mas que ele sempre soube que era o jeito mais carinhoso e íntimo que tínhamos para chamá-lo! E ele também gostava dos diminutivos, dessa maneira especial de tocarmos o outro!

Não, não há poeta igual a Vinicius! Nenhum igual! Com tão grande lirismo! E eu gosto de tantos! Gosto de todos os que eu gosto! Sim, eu sei que é redundância, mas foi isso mesmo que quis dizer!

E o que eu mais quero colocar aqui, é o teu 'Pátria minha', Vinicius!
E estou inteiramente feliz!

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei

Como, por que e quando a minha pátria

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa

Em longas lágrimas amargas.


Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... 
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos

E sem meias pátria minha

Tão pobrinha!


Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento

Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento

De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé

Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira

E sem pé-direito.


Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra

E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz

À espera de ver surgir a Cruz do Sul

Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada

O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo

Vi minha humilde morte cara a cara

Rasguei poemas, mulheres, horizontes

Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem

Um 'libertas quae sera tamem'
Que um dia traduzi num exame escrito:

"Liberta que serás também"

E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha

Atento à fome em tuas entranhas

E ao batuque em teu coração.


Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és

Uma ilha de ternura: a Ilha

Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:

"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.


3 comentários:

  1. Jac, estou atrás de um livro bem legal para ler e nesse estilo que você comentou, de pessoas inteligentes e que tem ideias! Você recomenda algum em especial?

    Beijos

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  2. é muito bom e gratificante voltar ao teu blog, gostei muito daqui.
    Tenha um belo domingo.
    Mauriozio

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  3. Tive um belo domingo de sol e mar!
    Obrigada pela visita, Maurizio!

    E Aline, sempre é um prazer vê-la por aqui!
    Vou fazer uma pequena lista de sugestões,
    especialmente pra vc! Mando por email.

    Beijos.

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